HAITI
Caetano Veloso e Gilberto Gil*
Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
13 Comentários
Letra da música "Haiti". CD de 1993 (Tropicália 2).
Brincadeira heim Lisandro, 1993, 2003 (dez anos) mais 7, lá se vão quase vinte anos. Caetano e Gil, profetas da Tropicália, já imaginavam que hoje Haití não é aqui e quase a metade nem lá é mais. Mas vamos acreditar no poder da reconstrução e da solidariedade humanas, essa não há terremoto que conseguirá abalar.
Olá Célia,
Caetano estava na casa de cultura no Pelourinho (Salvador-BA). Aí começou uma confusão e alguma pancadaria envolvendo a polícia. Na hora ele começou a pensar na música.
Essa música/letra é muito bonita e mostra aqui e lá os dramas da miséria.
O Haiti de hoje é de um terremoto. Ooou. Terremoto não é político. Ok, no final tudo acaba em política. Mas foi um terremoto, não há como negar.
Célia, acreditar na solidariedade humana é brincadeira hein.
Oi Marcelo, é possivel acreditar na solidariedade humana, sim. Se não fosse ela, a situação do Haiti seria ainda pior. Pense nas crianças! O mundo e os políticos são cruéis mesmo. A solidariedade existe para remediar e fazer paliativos. Isso já é alguma coisa. Vamos pensar com menos pessimismo.
Gente, o Haiti foi explorado por todo mundo. Não gosto de ficar lendo as notícias de lá. É muito sofrimento.
Meu primo é sargento do Exército e está no Haiti desde julho. Ele voltaria para o Brasil ainda esse mês.
Mas essa é a vida que ele escolheu e que ama.
Ele está se arriscando todos os dias para ajudar aquele povo. Vendo coisas terríveis e dolorosas. Fazendo nossa família chorar.
Atrás de toda política, artimanhas e jogos de poder existem homens como meu primo Erick, que dedicam a vida, a juventude, o tempo com a família, por amor de pessoas que ele nem conhece.
Não se esquecam disso.
Se isso não é solidariedade, e mais... se isso não é amor... eu não sei o que pode ser... sinceramente.
Maria Euci, pessimismo? A situação no Haiti sempre foi ruim por causa de ladrões de gravata e agora está catastrófica por conta de um terremoto.
Eu acho que esta música está fora do contexto, só isso.
Achei de mau gosto num momento como o de agora postar "Haiti" do Gil e Caetano.
Caroline, lindo, quase fui as lágrimas! Vi as fotos no seu blog. Sorte ao seu sargento e as pessoas.
E tem uma informação muito importante neste post: Haiti é de 93, CD Tropicalia 2.
Se não fala não sabia.
Pra falar a verdade eu acho que nem conhecia essa música. Não estou lembrando
Marcelo e dessa música vc se lembra? "Caminhando contra o vento, sem lenço sem documento, no sol de quase dezembro, eu vou...O Sol se reparte em crimes, espaçonaves, guerrilhas, em Cardinalles bonitas e eu vou..." Ele diz td de novo com outras palavras e essa temática se reproduz até hoje com outras roupagens e vc tem razão quando acha que acreditar em solidariedade é difícil eu entendo que seja em relação à má vontade política e vc concorda que, na verdade, o único que têm o grande poder da ação é o povo e que, este, unido, pode ser imbatível e reverter o curso da história a despeito das intempéries da natureza?
Eu estava num show do Caetano quando ele cantou "Haiti". Ele disse que Salvador, em alguns casos e momentos, se parece com a situação caótica da capital Porto Principe. Eu não gostei foi da maneira como eles cantaram a música. Parece um Rap.
Bom texto do Ricardo Noblat 'Ajuda humanitária converteu-se em projeto de poder' http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2010/01/18/ajuda-humanitaria-converteu-se-em-projeto-de-poder-258495.asp
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