domingo, 30 de janeiro de 2011

Caetano Veloso, aos 68 anos: filhos, drogas, sexo, velhice (entrevista).

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Tudo a declarar

Minha geração teve que romper com a religiosidade imposta, a deles (filhos) teve que recuperar a religiosidade perdida". 

por MORRIS KACHANI e ARTUR VOLTOLINI*


Caetano Veloso abre as portas de seu apartamento para Serafina, fala sobre Deus e o mundo e expõe seu particular universo

Um homem bonito e imberbe (Bin Laden o acharia mais bonito se cultivasse sua barba?), que aparenta ter bem menos que seus 68 anos, vestido de forma casual, com um casaco Diesel, e que não anda com telefone celular. Com uma prosa livre e gostosa, esse Caetano, que há mais de 40 anos age ativamente na formação da cultura e da sociedade brasileira, recebeu Serafina em seu amplo apartamento na praia do Leblon, com uma varanda de frente para o mar.

Nas paredes brancas, nada de quadros ou fotos. De um lado uma pequena biblioteca, do outro os sofás, também brancos, e, sobre a mesa de centro, alguns livros, entre eles um do fotógrafo Mario Testino com imagens do Rio de Janeiro e uma enorme fotobiografia do diretor de cinema Stanley Kubrick.

Lá também estava o músico e escritor Jorge Mautner, 70, eterno companheiro. Quando questionado sobre o por quê de todos perguntarem sobre tudo para Caetano, Mautner responde: "Ele é muito inteligente, tem uma profunda erudição". Caetano incorporou esse papel por conta do hábito de falar publicamente o que lhe vem à mente.

Ambiguidades

As trajetórias de Caetano e da Tropicália se misturam e são marcadas por fortes contradições. Pense numa moqueca. Substitua o peixe pela cultura popular nordestina, pela bossa nova e o samba carioca. Os camarões, troque pela música erudita e o jazz. Em vez de leite de coco, derrame o movimento hippie e o rock'n'roll. E, no lugar do azeite de dendê, os discursos da Primavera de Praga e de maio de 68 na França. Despeje o caldo, não sobre o arroz, mas sobre a vontade de mudar os costumes políticos, religiosos e sexuais do Brasil. Está servida a Tropicália.

Talvez dessas contradições tenha surgido o bordão "ou não", tão atribuído a Caetano. Paula Lavigne afirma: "Nunca ouvi isso sair da boca dele, deve ter sido inventado pela capacidade que Caetano tem de relativizar as coisas".

Cercado por mulheres

Caetano nasceu cercado por mulheres que o mimaram: dona Canô, a avó Júlia, suas cinco irmãs -sendo a mais nova Maria Bethânia-, e as três primas solteiras de seu pai. Embora não seja tão conhecido como dona Canô, seu pai, José Teles, era muito presente. Em Jenipapo Absoluto, Caetano homenageia a seu pai, chamando-o de "meu tanino, meu mel". Sobre ele, Caetano diz: "Era um mulato firme, doce e altivo. Eu o adorava e sinto muita falta dele."

Paula Lavigne -sua última mulher, mãe de seus dois filhos mais novos e sua atual empresária- tinha 13 anos quando conheceu Caetano, então com 40. Ela é considerada a responsável por organizar a carreira e, principalmente, o patrimônio de Caetano. Para se defender do rótulo de mulher controladora, Paula diz: "Não mando em Caetano, mando nas coisas dele". Já Caetano, questionado sobre a administração de seu patrimônio, respondeu: "A maioria dos que têm vocação artística pensa muito pouco em dinheiro. Eu até tentei ser melhor administrador, mas não dou bola nenhuma ao dinheiro. Sou muito aristocrático, não acho que eu possa depender de dinheiro. Mas acho que isso é uma alienação minha".

Apesar de ser a favor da liberação das drogas, Caetano nunca gostou delas. Já tomou cerveja, mas cortou o álcool, odiou o lança-perfume, ficou traumatizado em seu primeiro contato com a maconha, e sobre a cocaína, que diz ter provado apenas uma vez, afirma: "Eu não gosto do ambiente que se forma em torno da cocaína. Detesto! Se eu pudesse eu matava a cocaína". Em 1968, experimentou Ayahuasca, bebida alucinógena indígena, que começou bem, evoluiu para uma experiência mística, onde disse ter visto algo parecido com Deus, e terminou mal, com uma sensação de fim e de morte. Caetano não gosta de perder o controle sobre si.

Vindo de uma família muito católica, ele ia à missa e não dormia sem antes rezar. Quando foi a Salvador, ficou mais próximo do candomblé, onde se iniciou como filho de Oxóssi em casa de Mãe Menininha, no Gantois. Porém, nunca recebeu seu orixá: "É o tal negócio de perder a consciência. Eu não queria entrar em transe. Ficava com medo".

Caetano, que hoje se diz ateu, afirma estar adorando tudo no início do governo da presidente Dilma Roussef: "Dilma tirou a Bíblia de cima da mesa e o crucifixo da parede, eu gostei muito. Lula era mais carola...", diz. Gostou também da crítica de Dilma à falta de respeito aos direitos humanos no Irã. Ao comparar a política externa de Dilma com a de Lula, Caetano se inflamaria pela única vez durante a entrevista: "E quando o Lula apoiou aquele presidente do Irã? Isso é ridículo. Isso é abominável. Lula ir para Cuba, enquanto um dissidente preso fazia greve de fome! O sujeito morre e ele ainda sai arrogantemente, desumanamente apoiando aquelas pessoas sádicas como Fidel Castro e Che Guevara, que mataram mais do que a ditadura na Argentina! Esses caras adoravam um fuzilamento".

Caetano tem três filhos religiosos. Sobre Moreno, que tende ao catolicismo, diz: "Se o papa João 23 fosse santo, ele seria devoto". Seus dois filhos mais novos, Tom e Zeca, são evangélicos e frequentam a igreja Universal do Reino de Deus. Sobre um tropicalista gerar filhos evangélicos, Caetano diz: "Minha geração teve que romper com a religiosidade imposta, a deles teve que recuperar a religiosidade perdida".

Caetano diz ser muito bem recebido quando vai assistir a seus filhos tocando nos cultos e afirma enxergar o bem que a religião fez aos dois. Paula Lavigne comenta: "Zeca encontrou um conforto na religião. Qualquer coisa que faça bem aos meus filhos faz bem para mim".

E sobre o crescente poder dos evangélicos, no Congresso Nacional e na mídia, relativiza: "A Record não tem mais rabo preso com o bispo do que a Globo tem com o cardeal".

Caetano acredita que tanto o pensamento da esquerda militante quanto a moral das religiões repreendem a religiosidade e a sexualidade. Ao ser questionada sobre se a sexualidade ambígua de Caetano a deixava insegura, quando casada com ele, Paula Lavigne respondeu: "Sua bissexualidade é superdimensionada, é muito mais uma bandeira do que um fato, e Caetano carrega um saco de golfe em suas costas, cheio de bandeiras que ele defende de forma apaixonada. Na prática, ela não existia". Jorge Veloso, assessor e sobrinho-neto de Caetano, resumiu assim: "Artista é anjo".

Rio é Freud

Caetano está compondo as canções e produzindo o novo CD de Gal Costa em Salvador. Ele também lança, neste mês, o DVD do seu show Zii Zie, gravado no Viva Rio em outubro de 2010. A banda é formada pelos jovens cariocas Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo) e Marcelo Callado (bateria), e a ótima direção de arte é assinada por Helio Eichbauer: uma simples asa-delta bem iluminada à frente de um grande telão de LED onde são reproduzidas imagens do Rio de Janeiro. O DVD emana uma forte identificação com a cidade. Sobre o otimismo em relação ao futuro do Rio, com as UPPs, Copa do Mundo e Olimpíadas, Caetano diz: "O Rio celebrar-se sem estar resolvido é a história desta cidade. Nos anos 60, quanto mais o Rio exibia sua sofisticação, mais ele apresentava suas limitações para que o Brasil se expandisse. São Paulo, ao contrário, significava a expansão real, a coragem de experimentar, de sentir-se diretamente no mundo".

Talvez por isso, Caetano considere São Paulo mais tropicalista que o Rio. "É, aquilo não poderia ter acontecido no Rio. Mas a verdadeira razão de eu ter saído de Salvador e ido para o Sudeste é porque eu queria fazer psicanálise e não havia psicanalistas em Salvador. Eu disse isso ao João Gilberto, e ele falou: "É que na Bahia não se precisa de psicanálise".
Caetano continua até hoje frequentando seu psicanalista e flertando com Freud e Lacan.

Tristeza não tem fim

Paula Lavigne diz que a profundidade com que Caetano lida com as questões mais complexas da vida faz a convivência com ele ser difícil: "Ele nunca vai ser completamente feliz, só a ignorância é feliz". Ela afirma que Caetano pode ficar muito angustiado, e que sofre de insônia por pensar tanto. Diz que já procuraram vários especialistas, mas que até hoje é difícil ele dormir antes das seis da manhã.

Sua irmã Mabel diz que, embora Caetano seja uma pessoa muito alegre, sempre percebe um "fundinho de tristeza" nele: "Ele lutou tanto para ser reconhecido e famoso... E agora que é... Eu só pediria uma coisa a Caetano, para ele ser completamente feliz".

* Entrevista para revista Serafina - publicada em 31.01.2011

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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

"A fita branca", de Michel Haneke, por Lisandro Nogueira

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O mal

Lisandro Nogueira*

Quando estudávamos nos anos 80, W. Reich e seu importante “Psicologia de massas do fascismo”, perguntávamos sobre filmes que poderiam “ilustrar” as teses do discípulo de Freud sobre o surgimento do nazismo e do fascismo. Nele, Reich análise as estruturas coletivas do caráter que impulsionam os sentimentos de ódio e abuso em relação ao Outro, além da necessidade primária do indivíduo em apoiar tiranos e supostos salvadores da pátria.

Lembro-me que O Triunfo da Vontade (Triumph des Willens - Alemanha, 1935), dirigido por Leni Riefenstahl, era logo lembrado.  Cenas fortes, ambigüidades, imagens dilacerantes e a evocação da velha pergunta: quais os motivos para tanta exaltação e sentimento de pertencimento do povo alemão para com o regime nacionalista de Hitler?

Em A fita Branca, de Michel Haneke  (em cartaz),  a velha pergunta ressurge para fazermos ainda outras indagações. Em O Triunfo da Vontade a exaltação e apoio são vistos como algo “natural”. As imagens reforçam o sentimento de quê o pertencimento ao regime é um estado de espírito alemão.

Com Haneke vamos a gênese da questão do “apoio ao horror”, como afirmava Reich. Através da voz off do professor, da fotografia que revela corpos abusados, dos diálogos construídos em acordo com interpretações teatrais não naturalistas, observamos e acompanhamos uma narrativa que apresenta as sutilizas brutais do abuso e suas conseqüências desastrosas na vida das pessoas, no cotidiano das comunidades e para os rumos de um país.

A voz off, um procedimento aparentemente simples dentro de uma narrativa, pois “explica” as imagens, é uma das pontes entre nós e o que acontece dentro do filme. O que a voz off explica? Ela fornece pistas para uma compreensão. Apressadamente podemos afirmar várias coisas confiando nela e em sua pretensa racionalidade. 

É muito comum creditarmos a voz off ao diretor do filme, ao que ele pensa sobre os personagens, tema e tudo o mais. Foi assim com Dogville. A voz off é o pensamento do diretor Lars Von Trier, afirmam alguns. Tanto ali como em A fita branca, apesar de usarem a voz off “explicativa” em sentidos diversos, não temos a “opinião do autor”.  Não é ela que nos fornece a visão de mundo do diretor do filme. Ela pode contribuir para isso.  E foi o Cinema Moderno que estabeleceu novos parâmetros narrativos para essa voz, com o intuito de distanciá-la do seu uso no cinema clássico, tão didático e explicativo.

É com essa aparente voz off confiávelque Haneke  nos colocar na encruzilhada de dúvidas  ao final da narrativa. O professor nos explica todos os horrores? Ele também faz parte da sustentação do manicômio naquela aldeia (uma seqüência sugere isso quando “entrega” as crianças para os investigadores)? Ele busca aquele amor para não querer enxergar o desastre velado e seus desdobramentos? O professor somos nós também nas nossas tentações autoritárias e egoístas?

Outro ponto importante é a fotografia. Filmar em preto e branco, em plena celebração do cinema digital e 3D, é uma espécie de atrevimento legitimamente saudado.  E se o filme é pesado, duro, pessimista, com o preto & branco realçando tudo isso, há momentos de poesia. Uma poesia seca, mas significativa.

O pastor está em seu escritório. Seu pássaro de estimação foi morto, com crueldade, e colocado em cima de sua mesa. Ele tinha “aconselhado” seu filho para não prender as aves. Mas ele próprio o fazia.
O menino entra no escritório. Em campo/contra campo, o garoto oferece ao pai, com suprema generosidade, o seu pássaro. E diz: “estou substituindo o Pepsi [o antigo pássaro de estimação] porque o senhor está muito triste”.  A luz enquadra os dois rostos e o negro circunda todo o resto.  O pai mantém uma postura ainda firme, mas agora desarmada. A humilhação é absoluta e, aos poucos, a sombra vai tomando contra do rosto aniquilado daquele homem. 

 Outra seqüência de poesia: a irmã conversa com o pequeno irmão. Há um plano de conjunto mostrando os dois na cozinha. A única luz é a das duas janelas, isto é, fora há vida, e, dentro daquela casa, há somente a sombra do medo. Eles conversam em campo/contra campo: o olhar de um, depois  outro. O menino faz indagações sobre a morte. Mais uma vez a luz incide poeticamente sobre os dois seres que conversam sobre a finitude.  Em volta a sombra negra, o manicômio (a casa, a aldeia) que massacra todos eles. Quando a irmã vai afirmando a inexorabilidade da morte, a luz fecha em seus olhos e temos a celebração efêmera da humanidade e da poesia.

 Os atores não fazem uma interpretação naturalista. O naturalismo, escola do século 19, apóia-se na construção das aparências para contribuir com a comunicação rápida com o público. A interpretação, nesse caso, colabora mais para as estruturas narrativas de consolação (o melodrama, por exemplo) e busca sempre reequilibrar os conflitos e fazer com que o espectador tenha uma identificação imediata com a história e o tema representado.
Como abordar um tema tão duro com um estilo de interpretação que prioriza uma “visão estática dos processos sociais”? Haneke segue outro caminho. Os personagens são firmes, rígidos e, em quase toda a narrativa, não conseguimos sentir empatia. Nem as crianças dão colher de chá para o nosso olhar acostumado com meiguices e sorrisos de plena afinidade. 

Há o vigor da interpretação teatral em comunhão com  a fotografia. Ela também dispensa a nossa costumeira  cumplicidade com a “boa fotografia”. Como não estamos acostumados com interpretações não naturalistas e com imagens em P&B, nas quais os atores aparecem “distantes” e “desumanos”, há, em nós, pelo menos num primeiro momento, um sentimento de repulsa pela narrativa que não deixa adentrar e viver todos os sentimentos possíveis para efetuar a costumeira catarse.

Michel Haneke afirma que A fita branca não é sobre a gênese do nazismo. Tem razão em parte. Seu filme é atemporal e serve para diagnósticos importantes não só dos alemães naquele período, mas, sobretudo, sobre os fundamentalismos, autoritarismos e fascismos incrustados em nós, nos nossos vizinhos, nos nossos partidos e nas nossas igrejas.

* Lisandro Nogueira é professor de cinema na Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da UFG.

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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O melhor café expresso de Goiânia (mês de dezembro).

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O melhor café expresso de Goiânia (mês de dezembro)






O melhor café expresso Goiânia

Lisandro Nogueira


A confraria do café voltou a aferir os sabores do "expresso" servido em Goiânia. Eles percorrem os cafés e anotam os sabores conforme o critério da Illy (www.illy.com.br). Não há qualquer interesse em realizar marketing ou garantir qualquer dividendo. São pessoas de várias profissões que gostam e entendem muito de café.

 Segue abaixo a listas dos cinco melhores do mês de novembro:

. Ateliê do grão - Tribo do Açai no setor Marista.
. Café e Delícia - rua 9 - setor Oeste -  em frente Praça do Sol
. Tabacaria n. 1 - Setor Bueno-  em frente Shopping Buena Vista
. Frans Café - rua João de Abreu - Setor Oeste.
. Café do Ponto -  Shopping Bougainville.
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Noi due per sempre

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Noi Due Per Sempre

Wess & Dori Ghezzi

Composição: C. Cavallaro / F. Piccarreda
 
D'un tratto sei così diversa
Come sei strana stasera
Ragioni come se non fossi
Quello che sono
D'accordo, ma l'amore è un sentimento
Dimensione non ne ha


Primo fiore tu sei (Che dolce inganno)
Ho bisogno di te (Non sei sincero)
Senza te morirei (Ti amo)
Ti amo


È noi due per sempre
Nasce il nostro giorno
È noi due per sempre
Basta stare nascosti qui
Sogni insieme



Oggi come allora
Come il primo giorno
È noi due per sempre
Hum...


Da quanto mi hai cambiata dentro
Nei tuoi pensieri cammino
Come un'idea mi porto adosso
Quello che sei
Per quanto tu mi resterai accanto
La risposta non la so


Primo fiore tu sei (Che dolce inganno)
Ho bisogno di te (Non sei sincero)
Senza te morirei (Ti amo)
Ti amo
È noi due per sempre
Nasce il nostro giorno
È noi due per sempre
Basta stare nascosti qui
Sogni insieme
Oggi come allora
Come il primo giorno
È noi due per sempre

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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Se meu mundo cair (dedicado a Luciene Godoy e Mauro Elias)

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  foto: cartier bresson

 
SE MEU MUNDO CAIR

José Miguel Wisnik*


Se meu mundo cair, então
Caia devagar
Não que eu queira assistir sem saber evitar
Cai por cima de mim
Quem vai se machucar
Ou surfar sobre a dor até o fim
Cola em mim até ouvir
Coração no coração
O umbigo tem frio e arrepio de sentir
O que fica pra trás
Até perder o chão
Ter o mundo na mão
Sem ter mais onde se segurar
Se meu mundo cair
Eu que aprenda a levitar

* José Miguel Wisnik é poeta, músico e prof. de literatura na USP.

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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

"Além da vida" (em cartaz)

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 Além da vida

Luiz Felipe Pondé*

VOCÊ ACREDITA em vida após a morte? Eu não tenho opinião formada, por duas razões. Primeiro, porque se trata de uma questão sem resposta científica, mesmo que a sensibilidade espírita insista que "espiritismo é uma ciência". Bobagem, não há nada de científico no espiritismo.

Quando era adolescente, eu fazia a brincadeira do copo (fazer o copo "andar" e responder questões "soletrando" as palavras a partir de letras escritas sobre a mesa). Nunca funcionou comigo, mas sempre deu certo para pegar meninas assustadas. Corriam para nossos braços na velocidade da luz. Que delícia!

Pânico natural nas mulheres é um belo acessório de beleza e altamente afrodisíaco. Certa feita, eu peguei uma menina assaz difícil no cinema graças ao bom "Tubarão".

Por outro lado, materialistas não têm tampouco uma resposta negativa definitiva para a questão da vida após a morte.


Minha segunda razão é mais blasé: nunca penso no assunto. Não me preocupo com a imortalidade da alma. O "sobrenatural" não me interessa nem um pouco.
Mas o tema é filosoficamente significativo porque as pessoas, por milhares de anos, têm se perguntado: "O que existe além da vida?"

O novo filme de Clint Eastwood, "Além da vida", trata desse tema de forma magistral. Mas não esqueçamos: trata-se de um Clint Eastwood. Isso significa o seguinte: um pano de fundo trágico permeado pelo problema da coragem versus a covardia diante do sofrimento humano.

Quando falo em "pano de fundo trágico", refiro-me a uma visão de mundo na qual a vida não tem nenhum sentido último aparente e, portanto, seus heróis se movimentam numa falta absoluta de sentido, numa espécie de escuridão moral.
O homem faz o que pode diante da opacidade de um mundo que lhe é, ao final, sempre hostil. O que encanta Clint Eastwood é a coragem diante de um mundo agônico, como todo autor que se move numa atmosfera trágica.

Existem duas virtudes básicas na tragédia: a coragem e a piedade (aos ateus alegrinhos: não confundir piedade com pieguice). Essa piedade é marcada pelo "páthos" que podemos sentir diante de nossos semelhantes torturados por um combate sem fim contra nossa agonia ("agon", em grego antigo, pode ser traduzido por "conflito").
"Além da vida" não é um filme espírita. Não é uma historinha sobre um médium que fica falando com mortos ou escrevendo cartas psicografadas cheias de obviedades.

O filme tem dois heróis e uma heroína. Um deles é um médium que vê nesse "dom" uma maldição, fruto de um erro médico que o destrói (não consegue ter vida profissional ou afetiva). O outro é um menino que perde um ente querido e fica desesperado procurando alguém que "diga" ao morto que ele sente saudade e que não sabe viver sem ele.


E a heroína é uma jornalista famosa, doce e generosa, que tem uma experiência de "quase morte" como vítima de um tsunami. Ela ficará obcecada por procurar respostas para o que sentiu, levando sua vida pessoal e profissional à beira do abismo.

Os mortos no filme não são esses seres falsamente poderosos que fingem poder "fazer nossa vida dar certo", como é o caso da farta "economia do além da vida" que se aproveita de nossa agonia.
A vida após a morte (vista como uma possibilidade séria no filme) pode ser apenas "mais do mesmo". À diferença da cambada de picaretas que o menino encontra em seu caminho (essa turba que vive de enganar as pessoas falando coisas como "sua vida vai mudar se você fizer X" ou "estou bem, mamãe"), o filme eleva essa angústia ao seu sentido trágico piedoso: somos quase sempre egoístas e covardes e poucos são corajosos e generosos, mesmo em se tratando do "além da vida".

Saber (de fato) que existe vida além da morte pode ser um ônus terrível. Conseguir falar com um ente querido morto pode custar sua sanidade. Seguir seu desejo até o fim pode te destruir. Continuamos na escuridão. Só a rara beleza da coragem e da generosidade ilumina.

Para Clint Eastwood, devemos sempre nos ajoelhar diante desta rara forma de beleza. 


* Luiz Felipe Pondé é prof. de filosofia na PUC e articulista da Folha de SP.

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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Globo de ouro - lista dos vencedores

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Veja a lista completa de vencedores:
CINEMA
Filme - drama
"A Rede Social"
Ator - drama
Colin Firth ("O Discurso do Rei")
Atriz - drama
Natalie Portman ("Cisne Negro")
Filme - comédia ou musical
"Minhas Mães e Meu Pai"
Ator - comédia ou musical
Paul Giamatti ("Minha Versão para o Amor")
Atriz - comédia ou musical
Annette Bening ("Minhas Mães e Meu Pai")
Ator coadjuvante
Christian Bale ("O Vencedor")
Atriz coadjuvante
Melissa Leo ("O Vencedor")
Direção
David Fincher ("A Rede Social")
Roteiro
"A Rede Social"
Filme estrangeiro
"Em um Mundo Melhor" (Dinamarca)
Animação
"Toy Story 3"
Trilha sonora
"A Rede Social"
Música original
"You Haven't Seen the Last of Me" ("Burlesque")
Cecil B. DeMille (homenagem)
Robert De Niro
TELEVISÃO
Série - comédia ou musical
"Glee"
Ator - comédia ou musical
Jim Parsons ("The Big Bang Theory")
Atriz - comédia ou musical
Laura Linney ("The Big C")
Série - drama
"Boardwalk Empire"
Ator - drama
Steve Buscemi ("Boardwalk Empire")
Atriz - drama
Katey Sagal ("Sons of Anarchy")
Ator coadjuvante
Chris Colfer ("Glee")
Atriz coadjuvante
Jane Lynch ("Glee")
Telefilme ou minissérie
"Carlos"
Ator em minissérie ou telefilme
Al Pacino ("You Don't Know Jack")
Atriz em minissérie ou telefilme
Claire Danes ("Temple Grandin")

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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Godard: ''Acho o trabalho de Tarantino nulo".

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Godard acima do bem e do mal


O mais importante, amado e odiado cineasta em atividade ataca Tarantino e fala da incapacidade de usar tanto as palavras quanto as imagens.

A metralhadora verbal de Godard continua atirando em todo mundo. Depois de martelar o documentarista Michael Moore (Fahrenheit 11 de Setembro) e o cineasta Gus Van Sant (Elefante), Quentin Tarantino é o atacado da vez. Godard também não tem poupado Hollywood de sua artilharia. Em Elogio ao Amor, um personagem diz que o cinema americano está contando a história de todos os povos e, assim, altera os contextos conforme necessidades de ocasião. Em Nossa Música, volta à bateria. Alguém afirma que ganha as guerras quem ganhar o relato sobre elas.

ÉPOCA - O nome da produtora de Quentin Tarantino é Band a Part, título de um de seus filmes. O que pensa dele?

Godard - Eu acho o trabalho dele nulo. Ele escolheu o título de um dos meus piores filmes para dar nome a sua produtora. Isso não me surpreende em nada.

ÉPOCA - Godard é um mito?

Godard - De jeito nenhum. As pessoas assistem pouquíssimo a meus filmes e mesmo assim eu sou um pouco conhecido. Um mistério.

ÉPOCA - As imagens estão muito parecidas hoje?

Godard - Todo mundo é parecido no cinema. Se alguém filma um carrasco nazista em um campo de concentração e filma sua vítima, vai filmá-los da mesma maneira. É o que as pessoas chamam de democracia.

''Perdemos a capacidade de usar a palavra. Falamos muito hoje, mas isso é sinal de impotência. A palavra não está mais ligada ao pensamento e à reflexão''

"Spielberg e A Lista de Schindler"

''Não o conheço, mas não sou muito admirador de seus filmes. Critiquei-o muito quando ele decidiu reconstruir Auschwitz em cenário. Acho que não é uma coisa que se deva fazer, sob o risco de transformar o gás mortal que saía dos chuveiros numa espécie de fonte da juventude. Achei que era meu dever apontar o dedo para ele.''

site da revista - http://revistaepoca.globo.com/

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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Sobrea a vida

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Sobre a vida


"Para celebrar o meu envelhecimento, certo dia eu escrevi as 45 lições que a vida me ensinou. É a coluna mais solicitada que eu já escrevi."* (Regina Brett)

1. A vida não é justa, mas ainda é boa.

2. Quando estiver em dúvida, dê somente o próximo passo, pequeno ...

3. A vida é muito curta para desperdiçá-la odiando alguém.

4. Seu trabalho não cuidará de você quando você ficar doente. Seus amigos e familiares cuidarão. Permaneça em contato.

5. Pague mensalmente seus cartões de crédito.

6. Você não tem que ganhar todas as vezes. Concorde em discordar.

7. Chore com alguém. Cura melhor do que chorar sozinho.

8. Não é bom ficar bravo com Deus.

9. Economize para a aposentadoria começando com seu primeiro salário.

10. Quanto ao chocolate, é inútil resistir.

11. Faça as pazes com seu passado, assim ele não atrapalha o presente.

12. É bom deixar suas crianças verem que você chora.

13. Não compare sua vida com a dos outros. Você não tem ideia do que é a jornada deles.

14. Se um relacionamento tiver que ser um segredo, você não deveria entrar nele.

15. Tudo pode mudar num piscar de olhos. Mas não se preocupe; Deus nunca pisca.

16. Respire fundo. Isso acalma a mente.

17. Livre-se de qualquer coisa que não seja útil, bonito ou alegre.

18. Qualquer coisa que não o matar o tornará realmente mais forte.

19. Nunca é muito tarde para ter uma infância feliz. Mas a segunda vez é por sua conta e ninguém mais.

20. Quando se trata do que você ama na vida, não aceite um não como resposta.

21. Acenda as velas, use os lençóis bonitos, use roupa chic. Não guarde isto para uma ocasião especial. Hoje é especial.

22. Prepare-se mais do que o necessário, depois siga com o fluxo.

23. Seja excêntrico agora. Não espere pela velhice para vestir roxo.

24. O órgão sexual mais importante é o cérebro.

25. Ninguém mais é responsável pela sua felicidade, somente você..

26. Enquadre todos os assim chamados "desastres" com estas palavras. "Em cinco anos, isto importará?"

27. Sempre escolha a vida.

28. Perdoe tudo de todo mundo.

29. O que outras pessoas pensam de você não é da sua conta.

30. O tempo cura quase tudo. Dê tempo ao tempo...

31. Não importa quão boa ou ruim é uma situação, ela mudará.

32. Não se leve muito a sério. Ninguém faz isso.

33. Acredite em milagres.

34. Deus ama você porque ele é Deus, não por causa de qualquer coisa que você fez ou não fez.

35. Não faça auditoria na vida. Destaque-se e aproveite-a ao máximo agora.

36. Envelhecer ganha da alternativa -- morrer jovem.

37. Suas crianças têm apenas uma infância.

38. Tudo que verdadeiramente importa no final é que você amou.

39. Saia de casa todos os dias. Os milagres estão esperando em todos os lugares.

40. Se todos nós colocássemos nossos problemas em uma pilha e víssemos todos os outros como eles são, nós pegaríamos nossos mesmos problemas de volta.

41. A inveja é uma perda de tempo. Você já tem tudo o que precisa.

42. O melhor ainda está por vir.

43. Não importa como você se sente, levante-se, vista-se bem e apareça. (Essa é para não esquecer nunca)

44. Produza!

45. A vida não está amarrada com um laço, mas ainda é um presente

* Escrito por Regina Brett, 90 anos de idade, em The Plain Dealer , Cleveland, Ohio(retirado do blog da Vibailarina).

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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Chico Buarque - entrevista repleta de sabedoria, alegria e lembranças.

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CHICO BUARQUE PARA TODOS


Augusto Massi


 


Nesta entrevista, realizada em duas etapas, na casa do compositor, no Rio, ele fala sobre sua formação literária, sobre suas ligações com a música e sobre sua família. Filho do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, autor do clássico "Raízes do Brasil", Chico comenta a relação com o pai e revela a existência de um irmão alemão, por ele desconhecido. Dizendo-se um "homem cordial" (conceito cunhado por seu pai), Chico também fala sobre seus amigos, seus parceiros e, apesar da timidez, não evitou temas delicados, como vícios e manias. Quase um cinquentão, Chico comemora 30 anos de carreira em plena forma e diz que hoje se sente mais leve do que na época das cobranças políticas.

Folha - Começando por sua formação literária: o que você leu quando jovem? Que autores foram decisivos? Você lê bem em outras línguas?

Chico Buarque - Eu leio bem francês, italiano e espanhol. Quando criança, falava italiano e inglês porque morei em Roma durante dois anos e estudava em escola americana. Com 10 anos de idade eu falava italiano e inglês correntemente. Eu tenho até hoje uma carta em que uma professora americana, ao despedir-se de mim, disse que um dia ainda leria um romance "written by Francisco Buarque de Hollanda". Depois parei e esqueci ambos. O italiano eu retomei quando fui morar novamente na Itália, em 1969. Mais tarde quis retomar o inglês e fui tomar umas aulas. Foi engraçado, minha professora disse que eu tinha uma boa pronúncia, mas que o meu vocabulário era muito infantil...
Na tradução do "Estorvo" para o inglês eu fiquei em Londres uns dez dias, diariamente, com meu tradutor. Consegui entender o suficiente para detectar o que não estava correto - mas não conseguia apontar soluções.
A partir dos meus 15, 16, 17 anos, na minha adolescência, eu comecei a ler muito. E comecei a ler muito em francês - que ainda hoje eu escrevo melhor do que falo. Era influência da biblioteca do meu pai. O que ele mais tinha era literatura em língua francesa. E ler foi uma maneira que encontrei de me aproximar dele.

Folha - Você poderia explicar melhor essa relação?

Chico Buarque - A minha tentativa de aproximação com meu pai foi através da literatura. Ele vivia fechado na biblioteca, e eu, que tinha medo de penetrar naquele território, começei a ler algumas coisas. Ele me indicava desde clássicos, como Flaubert, até Céline, Camus e Sartre. Li, ainda em francês, Kafka, Dostoiévski, Tolstói e uma boa dose de literatura russa. Mais prosa do que poesia: meu conhecimento de francês sempre foi suficiente para prosa e insuficiente para poesia. Eu me lembro de, lá pelos 18 anos, ir para a Faculdade de Arquitetura com esses livros em francês, o que era uma atitude um pouquinho esnobe. Talvez para me valorizar dentro de casa ou talvez para agradar meu pai.

Folha - Quando a gente começa a ler sempre surge aquele primeiro livro capaz de transcender o próprio mundo da literatura, aquele autor que sozinho passa a constituir um universo, que nós dá um susto e muda a nossa vida. Diante de que autor você sentiu a vontade de escrever?

Chico Buarque - Como eu dizia, eu tinha amigos com quem falava e discutia literatura em francês. Era uma atitude um pouco exibicionista, até que um colega me deu uma debochada: "Mas você só vem com esses livros para cá, por que não lê literatura brasileira?" Eu respondi: "Você tem razão". E comecei a ler o que não havia lido até então, de Mário de Andrade, Oswald de Andrade até Guimarães Rosa, por quem me apaixonei. Guimarães Rosa talvez seja esse marco para mim. Foi uma descoberta. Durante um bom tempo, queria escrever à la Guimarães Rosa. Participei de diversos concursos de contos naquela época, textos cheios de neologismos.

Folha - Você começou pelo "Grande Sertão: Veredas"?

Chico Buarque - Comecei com "Sagarana", "Corpo de Baile" e cheguei até o "Grande Sertão".

Folha - E na área de poesia, você chegou a conhecer o Manuel Bandeira?

Chico Buarque - Conheci Bandeira, Drummond, e conheço João Cabral. Bandeira eu conheci desde pequeno, porque ele era muito amigo de meu pai e padrinho de meu irmão mais velho, Alvaro Augusto. Tem até um daqueles poemas...

Folha - Do "Mafuá do Malungo"...

Chico Buarque - É, tem um para o meu irmão Alvaro Augusto. Já mais velho, quando fui morar no Rio de Janeiro, mas garoto ainda, fomos visitá-lo. Fui com o Tom e o Vinícius. Foi um encontro interessante. Ele tocou um pouco de piano e começou a contar umas histórias do meu pai. "Ah! o Sérgio"... e no meio de algumas lembranças ele mencionou "aquele filho alemão". Eu perguntei: "Que filho?" Eu não sabia que meu pai tinha tido um filho na Alemanha. O Vinícius me perguntou: "Você não sabia?" Eu disse: "Não". Era um pouco segredo lá em casa. Meu pai tinha tido um filho alemão antes de casar. Eu fiquei muito chocado e quando pude ir a São Paulo perguntei ao meu pai sobre isso. No começo ele não quis falar, mas depois abriu o jogo.

Folha - E você chegou a conhecer esse irmão?

Chico Buarque - Não. Eu até tinha vontade. Numa entrevista antiga, que meu pai deu para o Jorge Andrade, na revista "Realidade", ele falava uma coisa engraçada. Ele dizia que tinha a pele muito branca e quando viajava perguntavam se ele era filho de alemão. Ao que ele respondia: "Não, sou pai de alemão." Meu pai viveu na Alemanha no começo dos anos 30, morou dois anos e veio embora. Tinha uma namorada que ficou grávida. Eu não sei bem a história desse namoro. Mas ele chegou aqui e, passado um tempo, casou-se com a minha mãe. Eu só sei que mais tarde, durante a Guerra, a mãe desse menino mandou uma carta a meu pai pedindo para ele enviar documentos provando que não tinha sangue judeu. Minha mãe, que sempre se ocupava das coisas práticas, foi quem descolou os papéis provando que meus avós e bisavós não tinham sangue judeu. Os papéis foram entregues ao Consulado Alemão aqui no Brasil. Foi a última notícia que se teve dela e do filho. Volta e meia eu e meus irmãos tentamos descobrir o paradeiro desse irmão, que hoje teria uns 60 e poucos anos. Há algum tempo surgiu uma pista interessante. Um senhor, afinador de piano, disse que conheceu um Buarque de Hollanda.

Folha - Ele foi registrado como Buarque de Hollanda?

Chico Buarque - Não, foi registrado com o nome da mãe, que é um sobrenome comum, Ernest. Mas o primeiro nome dele é Sérgio, um nome que não existe na Alemanha. Ele é Sérgio Ernest. Eu já fui à Alemanha e já procurei na lista: Ernest é que nem Oliveira. Havia alguns com a inicial "S". Eu ficava especulando se poderia ser um deles. Pensava em telefonar, mas achava bobagem. O que ia dizer? "Oi, sou seu irmão." Ou: "Você é meu irmão?" Sabemos que ele ficou em Berlim, mas se no Leste ou Oeste, se morreu na Guerra, se a mãe contou ou não contou, isso não se sabe. Então, aparece um afinador de piano dizendo que conheceu um colega da fábrica de pianos com sobrenome Buarque de Hollanda. Achamos que de repente o cara, sabendo o nome do meu pai, poderia ter recuperado o sobrenome. É uma história um pouco inverossímil. Mas, enfim, o cara poderia ter assumido o nome paterno e ter tentado entrar em contato com o pai. Mas, um Buarque de Hollanda, afinador de piano na Alemanha era muito inverossímel. Finalmente descobriu-se que ele existia mesmo, mas não era o meu irmão. Não conferia com a idade. Era filho de um outro Buarque de Hollanda que andou por lá.

Folha - É muita coincidência, ainda por cima na área da música! Não era carregador de piano, não?

Chico Buarque - Pois é, não era... Bom, eu estava no Manuel Bandeira.

Folha - Foi o Manuel Bandeira que entregou...

Chico Buarque - Foi ele que entregou. Era compadre do meu pai, assim como o Vinícius, que conheci também desde pequeno. Na verdade esses amigos de meu pai da área literária estavam um pouco distantes quando eu fui morar no Rio de Janeiro. Naquele tempo ia-se pouco a São Paulo. Não é uma coisa como hoje, que você vai e volta. E quando foi morar em São Paulo meu pai se distanciou um pouco do meio literário. Ficou mais ligado à história, ao mundo acadêmico.

Folha - Você chegou a conhecer o Oswald de Andrade?

Chico Buarque - Não lembro de ter conhecido, mas meu pai também não tinha uma relação muito próxima com o Oswald, ele era mais próximo do Mário.


Folha - O Drummond comentou numa entrevista, em tom de crítica, que você ligou uma vez à noite, já meio tarde, para dizer que tinha uma pessoa da Nicarágua querendo conhecê-lo. Houve isso?

Chico Buarque - Era o embaixador da Nicarágua no Brasil. Não me lembro o nome dele agora, mas você sabe que na Nicarágua todo mundo é poeta. Ele era fissurado pelo Drummond, que tinha escrito uma crônica anti-sandinista e ele queria explicar essas coisas. Fomos à casa do Drummond, já meio tarde. Mas ele foi muito simpático.

Folha - Você teve outros contatos com o Drummond? Em pelo menos duas músicas você faz referência explícita à poesia dele - "Flor da Idade" (75) e "Até o Fim" (78). A leitura de poesia brasileira é uma coisa presente para você?

Chico Buarque - Claro. Li tudo de Bandeira, Drummond e João Cabral. Com Drummond eu tinha contato. Não posso nem dizer que era uma amizade. Eu o visitava esporadicamente, mas ele sempre foi muito carinhoso, me mandava livros com dedicatórias, bilhetes, enfim, a gente se comunicava. Ele era muito fechado, muito tímido, eu também já não sou muito... E acho que havia um problema: uma vez ele brigou com meu pai...

Folha - É?

Chico Buarque - É, por causa de mulher.

Folha - E quem era?

Chico Buarque - Quem era o pivô eu não sei. Ambos eram solteiros na época.

Folha - Como é o seu contato com o Rubem Fonseca?

Chico Buarque - Sou amigo do Zé Rubem, gosto muito dele. Ele sempre me dizia que eu era um escritor. Ele tem um pouco isso de incentivar novos autores, de dar força. Ele leu o primeiro capítulo de "Estorvo", que foi traduzido para o inglês, porque o Luis Schwarcz (editor) estava trabalhando a possibilidade de vender o livro para o exterior. Esta primeira tradução, acompanhada do original em português, foi enviada ao Zé Rubem, que conhece muito bem o inglês, para ver se estava boa. O Zé Rubem, que já vinha me atiçando para escrever um livro, teve uma conversa comigo. Fez algumas observações muito interessantes. Quando o livro ficou pronto, entreguei a ele e ao Luis. O Zé Rubem veio aqui em casa cheio de anotações e até sugestões de mudanças.

Folha - Você foi receptivo?

Chico Buarque - Sim, sim. Já na primeira leitura ele observou que havia duas ou três construções que ele considerava inadequadas. Tinha uma palavra em inglês - e ele falou: "Isso é um horror". Era "flash". "Tira esse flash", ele disse. Eu não sei nem se deveria falar sobre isso, porque o Zé Rubem não gosta de dar entrevista e eu não posso dar entrevista por ele. Mas, enfim, eu tenho que dar esse crédito a ele, que foi a primeira pessoa, junto com o Luis Schwarcz, a me instigar a escrever o livro, dizendo, "você é escritor, você é escritor". Outra observação curiosa é que em certa passagem de "Estorvo" o personagem está numa festa e de repente uma moça, na frente dele, baixa o vestido e os seios ficam prá fora. O Zé Rubem me perguntou se havia baixado uma Dercy Gonçalves. Eu não concordei muito, achava justamente interessante, aquele absurdo, assim meio nonsense. Para contentar o Zé Rubem, deixei mais suave, só um seio de fora.

 
Folha - E como foi a recepção crítica no exterior?

Chico Buarque - Foi muito diferente em países onde me conheciam e em outros onde eu era absolutamente inédito. Na França eles souberam respeitar minha opção literária. Mas isso depende também de como é conduzido o lançamento, do nível dos jornalistas que destacam para a entrevista etc. Na Espanha, por exemplo, de vez em quando eu me via falando com rádios para as quais o foco era o compositor. As perguntas que faziam eram ao autor de músicas. Já na Noruega não tinham a mínima idéia, assim como na Holanda, onde ninguém me conhece como músico. A dificuldade nos países onde a música era mais conhecida é exatamente o fato de que eles recusam um pouco a possibilidade de um escritor brasileiro ser, de certa forma, inovador - ao contrário do que acontece com a música. Eles aceitam a originalidade da música popular brasileira tranqüilamente, mas a literatura eles vêem com mais surpresa. Imaginam o Brasil como um país ainda em grau de civilização inferior ao deles, o que favorece a criação musical. Era difícil explicar por que é que eu estava largando um ofício, que para eles era tão mais viável, tão mais apropriado, por um outro que os europeus dão banho nos brasileiros. Mas o livro foi muito bem aceito de uma forma geral. Houve críticas muito boas.

Folha - Você acha que em relação ao Brasil esse problema poderia ser colocado de que forma? Você acha que foi diferente?

Chico Buarque - Na verdade eu estava fora, não quis nem estar aqui na época do lançamento. Eu sentia que havia uma desconfiança brutal, mas brutal, antes de o livro sair. O livro estava pronto para ser muito mal recebido. Isso eu tenho certeza. As pequenas notinhas, as ironias que me chegavam...

Folha - Mas, você ficou de modo geral satisfeito?

Chico Buarque - Fiquei. De modo geral o livro foi muito bem recebido. Houve críticas negativas, mas houve um respeito por essa minha opção. Afinal - não posso ser modesto - foi uma opção corajosa. Não é muito fácil você abandonar o que sabe fazer durante tanto tempo por uma aventura.

Folha - Algumas coisas que você não estava conseguindo dizer através da música foram transmitidas através do livro. Houve essa questão? Ainda que intuitivamente você se voltou para a literatura?

Chico Buarque - Não, isso não é intuitivo. Eu tenho bastante claro que a música me conduz para algumas coisas e me limita. Eu sempre disse que conhecia os meus limites literários diante da música. Eu sabia que para mim era insuficiente aquilo como literatura. As coisas que eu digo no livro, não tenho música para dizer. Eu também não estabeleço terrenos hierarquicamente superiores. Através da música digo coisas que eu não conseguiria dizer sem ela. Em relação à música eu sou um autor muito mais passivo do que na literatura. É evidente que eu sou um músico intuitivo e não sou um escritor intuitivo. Eu tenho noção perfeita do que estou escrevendo.

Folha - A grande imprensa fez uma leitura genérica do livro. Certos detalhes passaram despercebidos, como o núcleo da amizade, como a questão da figura do delegado, da relação familiar, com o pai sempre ausente...

Chico Buarque - Só que a história para mim não tem muita importância. A história do amigo ser homossexual não é clara porque eu não quero que seja, porque não é importante que seja. Mas uma crítica que se publica num jornal qualquer precisa de gancho e os ganchos são os mais pobres possíveis. Eu reconheço que é muito difícil fazer uma resenha desse livro. Onde é que está? Por onde vai pegar? Esses problemas eu enfrentei muito nas traduções. O tradutor não percebia exatamente o que era e achava que estava mal contado ou que ele não havia entendido direito por problemas de compreensão do português.

Folha - Como você chegou ao título "Estorvo"?

Chico Buarque - O título surgiu já com o livro quase pronto. Ele surgiu no texto. Não tinha título. Tirei de um trecho, em que o sujeito caminhava pela multidão, que era um estorvo. Troquei a palavra no texto por obstáculo ou empecilho e fiz o título. Houve até uma certa resistência no começo, pelo título ser estranho, um pouco repulsivo.

Folha - Como compositor, você parece ocupar lugares e ângulos diferentes. Por exemplo, em Samba de Orly (70), dá uma visão de quem está fora do país e já em "Meu Caro Amigo" (1976) dá uma visão de quem está de dentro. O mesmo ocorre com "Pivete" (78), retrato do próprio, e em "O Meu Guri" (81), sob o ponto de vista da mãe. Usando uma metáfora musical, sua música sempre tem lado um e lado dois. A visão de Chico como artista político reduz bastante a apreensão destas outras facetas. Ou seja, o fato de você dar voz a outros personagens, paradoxalmente, acabou restringindo a sua individualização artística.

Chico Buarque - Essa tendência de enxergar sempre através do político de certa forma cristalizou uma idéia que não me satisfaz, absolutamente. Muitas vezes isso aconteceu por que eu queria. Mas eu canto uma música no show que fala disso e que agora não tem mais nada a ver com o momento em que ela foi composta. Me perguntaram por que essa música política no meio do show. Mas ela é na verdade um pouco a negação disso tudo. A música se chama "Pelas Tabelas". É um sujeito procurando uma mulher, apaixonado, no meio da manifestação pelas diretas. É essa confusão do individual com o coletivo e apontando muito para o individual naquele momento coletivo. Mas a leitura predominante é a política, que é uma leitura viciada. "Pelas Tabelas" é um samba que eu gosto de cantar e que estou cantando nesse show, porque ele também tem um pouco essa confusão do "Estorvo", essa barafunda mental.

Folha - Você está mais em paz com isso hoje?

Chico Buarque - Estou mais em paz com isso. A partir do momento que eu escrevi o livro acho que já estava assumindo uma opção atrevida. O fato de escrever o livro já era uma recusa em atender a expectativas.

Folha - A sensação que eu tenho é que você está mais leve.

Chico Buarque - Parcialmente, porque a cobrança ainda existe. O artista está sempre devendo alguma coisa, algum tipo de explicação. A gente tem que encontrar a sabedoria de ficar com várias dívidas e não pagar o que é cobrado. Eu me sinto muito mais livre em relação a isso, e não é de hoje, é dos anos 80 para cá.

Folha - Eu queria que você pontuasse alguns momentos de virada de sua obra.

Chico Buarque - Eu considero "Tem Mais Samba" (64) como minha primeira música, o marco zero da minha obra. Meu disco "Construção" (71) também é um momento importante. O disco anterior ao "Construção" é muito confuso. Há atenuantes para isso: eu gravei a voz na Itália, os arranjos foram feitos aqui, mas a própria criação das músicas é confusa, você percebe que eu estava um pouco perdido. Já não queria fazer o que estava fazendo e estava sem encontrar uma linguagem. "Construção" foi um disco de chegada ao Brasil e de reencontro com uma linguagem de renovação. Eu não sei te fazer essa cronologia, datar exatamente, através das músicas, uma evolução clara. Mas entre a primeira música e "Construção" houve todo um momento de reaprendizagem, que foram os anos de 67 e 68, quando eu tomei contato com Tom Jobim, contato real com a música, que para mim era muito de ouvido. Eu comecei a fazer música por causa da bossa-nova, uma coisa muito à distância, eu morava em São Paulo, não sabia nada de música, era absolutamente intuitivo. As minhas primeiras parcerias com o Tom e o meu contato com ele me levaram para esse caminho da música mais consciente, menos primitiva. Hoje eu sou um músico mais preparado evidentemente do que há 30 anos, quando escrevi "Tem Mais Samba", e isso eu tenho a impressão que se pode perceber.

Folha - Trabalhar sob pressão pode ser produtivo?

Chico Buarque - Trabalho mais por necessidade do que por desejo. Eu não faço um disco quando quero, faço quando preciso e não sei exatamente o que é que dita essa necessidade. Com certeza não é uma pressão estranha, de fora, é uma pressão que eu mesmo me coloco e não sei qual é a natureza dela. Mas a verdade é que isso vale para todos os meus discos. Vale para tudo, porque na realidade você nunca acha que está pronto. Tem uma hora que você coloca um ponto final para não ficar maluco. Mas quando passa um certo tempo você olha para trás e pergunta: "Por que eu não fiz isso? Por que não fiz aquilo?" Sempre dá um certo arrependimento. Outro dia eu li que o pintor Pierre Bonnard ia com seus pincéis escondidos para o museu onde estavam as obras dele expostas. Quando o vigia não estava olhando ele dava uma pincelada e corrigia um trabalho de dez anos atrás. Eu me identifico perfeitamente com isso.

Folha - Bom, eu queria que você comentasse "Piano na Mangueira", que está em "Paratodos", e falasse de sua parceria com Tom Jobim. Penso que "Eu te Amo" e "Anos Dourados" são verdadeiras obras-primas da canção popular brasileira e um casamento perfeito entre letra e música. Você não acha que falta uma crítica mais atenta, capaz de ressaltar a importância destas músicas?

Chico Buarque - O que eu digo, já disse e repito é que há muito pouca crítica de música. Há muita crítica de letra. É muito difícil alguém que compreenda a parte musical mesmo. Então é dificil encontrar quem saiba escrever sobre Tom Jobim. Nem compensa, é claro. Você não vai publicar uma partitura num jornal, publica uma letra, porque qualquer um pode julgar aquilo. Para mim isso é frustrante, porque eu vejo a letra tão dependente da música e tão entranhada na melodia, meu trabalho é todo esse de fazer a coisa ser uma coisa só, que, geralmente, a letra estampada em jornal me choca um pouco. É quase uma estampa obscena. Mas voltando ao Tom, ele é o meu maestro soberano. Na verdade, foi meu primeiro parceiro. Eu tinha feito uma música com o Toquinho, no comecinho de 65. Eu nem sabia fazer letra, entendeu? Eu demorei um pouquinho, fui aprendendo a fazer. Foi o Vinícius que me aproximou mais do Tom, que deu uma força para essa parceria. Era difícil fazer letra para o Tom. Ele já era meu mestre. E é um excelente letrista. Geralmente, quando ele me mostra uma música, eu digo: "Faz você, faz você." Mas, às vezes, ele me convoca mesmo. Foi o caso desse "Piano na Mangueira".

Folha - "Paratodos" tem uma marca que é a "volta ao samba", a volta à estrada da música, que vai sendo reforçada numa sequência de canções: "Paratodos", "Choro Bandido", "Tempo do Artista" e o "De volta ao samba", que completa a idéia.

Chico Buarque - É. A quarta foi para esgotar mesmo o assunto, até correndo o risco de ser redundante. Ela entrou no finzinho, no último fim de semana de gravação. É engraçado, eu já tinha material suficiente para um disco, 11 faixas já era bom, mas aí eu falei: tem mais uma, segura que eu tenho um samba novo, um samba que vai completar uma idéia que para mim é importante.

Folha - O disco tem uma cara, inicialmente, mais densa, que aponta para um sentido "sério". Mas a partir de De volta ao samba, entra em outro registro, há mudanças de tom, há brincadeira e humor, como em "Biscate", por exemplo.

Chico Buarque - "Biscate" é uma brincadeira com as palavras, é uma brincadeira com a harmonia. A harmonia do "Biscate" é inusitada, está quebrada. Aliás, eu acho que o próprio "Paratodos" tem uma certa leveza. Tem alguma coisa de épico, mas é uma música leve. Mas o humor está mesmo presente. A própria "Foto da Capa" tem humor.

Folha - Pensando na figura feminina, o que você acha que mudou desde o primeiro Chico para cá? Você é uma pessoa apaixonada?

Chico Buarque - Eu sou uma pessoa muito afetiva, uma pessoa que age por afeto. Eu sou o homem cordial. Eu sou um homem que age por impulso. Esse meu lado afetivo está talvez na música, que sofre esses arroubos afetivos. Eu faço uma distinção bastante clara: na literatura sou um cidadão sem afetos. O fato de estar solitário escrevendo um livro que vai ser apresentado em público e que vai ser lido individualmente, isso me despe um pouco desse sujeito atirado e algo ingênuo. Já a música me emociona, eu fico em lágrimas. Eu sou um bobo como músico. Mas tenho o outro lado, racional e muito crítico, muito seco, que é um lado que quase não cabe na música, que precisa de outro veículo.

Folha - Tem alguma coisa que você acha que não fez, uma canção, algum sonho?

Chico Buarque - O que eu gostaria realmente e que eu me sinto incapaz é na hora de cantar, o artista em cena, no palco. Me sinto preso, me sinto exposto, não me sinto livre para ousar. Quando eu vejo um show do Caetano, dessas cantoras todas, do Gil, o prazer deles de estar no palco! O que também me atraiu na bossa-nova foi a estética da timidez. Estar com o violão e mostrar aquela sua música - você é um compositor que canta. Se não fosse isso eu não teria virado cantor. Eu pude me apresentar no palco porque havia uma permissão e até um estilo, numa época, para esse tipo de artista, o compositor que canta com o seu violão, protegido. O movimento tropicalista quebrou isso e me deixou um pouco atordoado. Enquanto artista eu já era insuficiente para a performance intimista. Naquele momento era quase inaceitável. Eu tenho quase um pudor de estar ali cantando.

Folha - Além de jogar futebol (atualmente Chico joga três vezes por semana e é bom jogador), o que você mais gosta de fazer fora da música?

Chico Buarque - Tenho muita vontade de reler. Tem um livro que volta e meia eu leio sem compromisso, porque é um diário lindíssimo, do Ernest Junger. Agora estou lendo "A Caixa Preta", do Amos Oz. O último livro brasileiro que eu li é um livro escrito em portunhol, chama-se "Mar Paraguaio".

Folha - Qual seria seu cineasta predileto?

Chico Buarque - Fellini e Buñuel. Mas eu me sinto muito mais em casa com Bunuel, não é um juízo de valor, é uma questão de afinidade.

Folha - E qual a cantora que você tem mais afinidade?

Chico Buarque - Eu acho que a Gal, a Bethânia, a Nara. Eu sempre gostei mais da minha música cantada por outras pessoas. Não vou fazer aqui uma distinção entre elas, que eu não sou louco - até porque elas são muito diferentes. Acho que eu sei que música Gal cantaria melhor, que música seria mais adequada para Bethânia e Nara, que não está mais aí.

Folha - Existia o mito de que você bebia muito. Você diminuiu?

Chico Buarque - Não era mito não, eu bebia muito. Bebia todo dia e bebia coisas fortes. E fui parando, comecei a enjoar, não é nenhum mérito meu não, acho que meu organismo é que foi pedindo água. Então hoje eu só tomo vinho, cerveja, e nem todo dia.

Folha - Droga você nunca experimentou?

Chico Buarque - Já experimentei drogas também, experimentei e gostei. Mas parei com as drogas ilegais. Cocaína, nunca mais. Na verdade as drogas nunca foram um problema sério para mim, mas poderiam vir a ser, porque eu tenho uma certa propensão ao vício. Sou uma pessoa que cria hábitos, se eu fosse supersticioso seria impossível de tratar, tenho facilidade para criar manias e luto contra isso. A única droga que realmente me afeta hoje é o cigarro, sou um fumante compulsivo, então procuro me disciplinar. Isso poderia ter acontecido em relação ao álcool, ter virado um alcóolatra e talvez tenha chegado perto. Consegui, por algum motivo que não é tanto disciplina, poder beber socialmente, de vez em quando. Mas ainda assim, se eu entro numa temporada de shows, tenho que tomar vinho.

Folha - Você dança?

Chico Buarque - Não, sou meio desajeitado, sou desengonçado. Quando eu danço as pessoas acham graça...

Folha - E das manias do cotidiano?

Chico Buarque - Gosto de andar. Eu sou um andarilho, ando, ando e penso melhor andando. Daria uma entrevista mais brilhante se tivesse um outro andarilho ao meu lado com gravador.

Folha - A gente pode tentar da próxima vez.
Folha de São Paulo - 09/01/94

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Paul McCartney: "É um horror ter perdido aqueles caras".

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Entrevista com Paul McCartney

Anthony Decurtis

O ex-Beatle fala à RS EUA sobre o verão de 1967, na edição que comemora os 40 anos da revista; confira a tradução publicada na edição 09 da Rolling Stone Brasil

Foto: Max Vadukul
Paul McCartney quer ser lembrado "com um sorriso"
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Como foi o "verão do Amor" para você?
Legal pra caramba. Tínhamos acabado de decidir que suspenderíamos as turnês porque já não estava mais valendo muito a pena. Parecia que não estávamos progredindo, o público continuava berrando, mas a gente se encheu daquilo. Tínhamos a idéia de fazer um disco que sairia em turnê por nós. Isso veio de uma história que tínhamos lido a respeito do Cadillac de Elvis fazendo turnê. Achamos que era uma idéia maravilhosa: ele não sai em turnê, só manda o Cadillac. Fantástico! Então, pensamos: "Vamos despachar um disco". Passamos mais tempo em estúdio, e o resultado foi Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967). Então, foi maravilhoso. Estávamos amadurecendo? Não sei. Olhando em retrospecto agora, éramos praticamente crianças, apesar de nos sentirmos muito adultos. Tanta coisa tinha acontecido com tanta rapidez, certamente desde a viagem dos Beatles para os Estados Unidos em 1964. Em essência, aqueles três anos foram a diferença entre "I Want to Hold Your Hand" e "Sgt. Pepper's." Os tempos estavam mudando, como sr. Dylan disse. Só estávamos seguindo nossos instintos, mas havia um grande arroubo de energia, as idéias vinham rápidas e consistentes. Todos os tipos de idéias novas - artísticas, políticas, musicais. Começamos a escrever coisas que eram diferentes porque nossas conversas, nossos pensamentos e nossos sentimentos eram diferentes. Estávamos passando muito mais tempo longe da estrada, com outros artistas, e isso nos permitiu investigar outras coisas. Tínhamos muitos amigos no mundo da música e no mundo da arte, e havia uma grande fertilização cruzada. Foi uma época ótima para experimentar coisas e tudo isso penetrou na nossa música e no nosso estilo de vida.

Eu me lembro do impacto de Sgt. Pepper's como algo instantâneo e onipresente, tocando em toda casa noturna a que se ia, toda loja de roupa, toda loja de discos. Você fazia idéia de que teria esse tipo de efeito?
Foi ótimo, para falar a verdade. Como tínhamos parado de excursionar, a mídia começava a sentir que as coisas estavam calmas demais, o que criou um vácuo, de modo que puderam falar mal de nós. Diziam: "Ah, a fonte secou". Mas nós sabíamos que não tinha secado. Sabíamos o que estávamos fazendo, e sabíamos que nossa fonte estava longe de secar. Na verdade, o oposto estava acontecendo - vivíamos uma enorme explosão de forças criativas. Nós pressentimos isso. Realmente não comentamos o assunto com muita gente. Tocávamos uma demo aqui, outra ali [para os amigos] e tal, mas o mundo de maneira geral não sabia de nada. Mas, como disse, o que alguns críticos comentavam era: "Ah, eles estão acabados". Enquanto isso, estávamos lá trabalhando com alegria, como os Sete Anões - "Trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho!" [risos]. Estávamos nos divertindo muito, obviamente, montando essa coisa. Daí, quando saiu, foi fantástico. Naquela época, costumávamos lançar [álbuns] na sexta-feira, e aquele fim de semana foi uma coisa. Eu me lembro de ter recebido telegramas que diziam coisas como: "Vida longa a Sgt. Pepper's!". Esse era o sentimento geral, e era maravilhoso. Naquele domingo, Jimi Hendrix tocaria no Saville Theatre no West End de Londres, e ele abriu o show com o tema de Sgt. Pepper's. Cara, o disco estava mesmo em todo lugar! E é claro que nós só ficamos surfando naquela onda artística. Foi bem bacana exercer tanta influência assim. Como eu disse, era verão, e o sol brilhava, e lá estávamos todos nós, no maior astral [risos]! Eu me sinto muito privilegiado por ter vivido aquilo, em primeiro lugar e, em segundo, por ter sido o epicentro dos acontecimentos.

Deve ter sido uma sensação muito estranha - passar por mudanças enormes e, simultaneamente, gerar mudanças similares para milhões de outras pessoas.
Foi sobrenatural. Nós tínhamos nos acostumado com uma parte disso simplesmente por sermos os Beatles. Até "I Want to Hold Your Hand" tinha deixado as pessoas loucas. Mas agora a coisa passava para outro nível. Estávamos entrando no coração e na mente de todos.

Parecia muito que Sgt. Pepper's fazia parte do sentimento daquela época em que, de algum modo, tudo iria se transformar, que nada jamais voltaria a ser como antes.
É engraçado, conheço muita gente que, depois dos anos 60, teve uma sensação de decepção que nunca passou. Eu pessoalmente achava que, ao passo que tudo estava mudando, não necessariamente significava que tudo mudaria. Nós tínhamos longas discussões a respeito de como um dia as pessoas da nossa geração se tornariam primeiros-ministros, e seria bem sobrenatural [para eles] o fato de terem sido afetados por esse período. Mas, ao mesmo tempo, éramos realistas, e pensávamos: "É, mas vão continuar sendo políticos". Dava para saber que tudo que estava acontecendo no mundo mudaria a ordem das coisas em alguns aspectos, mas não em todos. E isso está provado pelos nossos líderes atuais. Eles continuam presos aos anos 40 ou algo assim.

Houve algum acontecimento específico que fez com que você se desse conta de que os anos 60 não cumpririam suas promessas?
Suponho que preciso considerar o rompimento dos Beatles como o momento mais sombrio. Os Beatles chegaram a um ponto em que implodiram - todos tinham dinheiro e fama e, de vez em quando, era inevitável que nos irritássemos uns com os outros. Eu tinha conduzido a dança um pouco em Sgt. Pepper's. Para mim, o título e a idéia toda foi inspirada pela época e pela fertilização cruzada com os outros artistas. Queria que fosse algo do tipo: "Uau, cada um de nós tem sua lista de heróis [na capa] e vamos assumir estes alter egos. Seremos pessoas novas fazendo este disco, e podemos mais ou menos viver nestes corpos novos e fazer um álbum como se fôssemos outra banda". Aquilo foi libertador. Mas, depois disso, não dava para sentir que era possível seguir em frente como aquela outra banda. Você inevitavelmente voltava à terra, fazia parte dos Beatles.

E foi aí que os problemas começaram...
Foi quando começamos a discutir assuntos comerciais, principalmente com o advento de Allen Klein - ou "um certo empresário norte-americano", ou seja lá como somos obrigados a nos referir a ele. Deixemos para o departamento jurídico resolver. As conversas passaram a ser assim: "Ah, que merda, vamos ter mesmo que pensar sobre isso agora ou perderemos tudo por que trabalhamos". E isso causou um racha tremendo.

Você acabou processando os outros Beatles.
Foi o pior momento da minha vida, quando me informaram que não poderia me opor a esse tal de Klein, esse "suposto empresário norte-americano". Como ele não era uma das partes de nenhum dos nossos acordos, precisei brigar contra os outros três caras. Foi uma situação com a qual me debati durante meses. Ou era: "Não, não brigue com esses caras e perca tudo para todo o sempre" ou "Brigue com esses caras e salve tudo". Foi um dilema. No final, pensei: "Acho que eles não sabem o que estão fazendo, estão cometendo um erro pavoroso". Então eu, de fato, briguei no Tribunal Superior e venci, por sorte. Isso criou um estigma terrível para mim, como sabia que criaria - não tinha entrado naquilo de bobo. Sabia qual seria o preço. Mas achei que, no fim, as pessoas descobririam que tinha razão. E foi gratificante quando todos os caras, no final, piscaram para mim e disseram: "Foi bom você ter feito aquilo". Até Yoko [Ono] reconheceu isso. Mas foi uma coisa horrorosa de se viver. Foi quando o sonho se desfez para mim.

Houve um ponto em que você sentiu que, apesar da dissolução da banda, seria capaz de seguir em frente e continuar a se divertir?
Fazer o álbum McCartney (1970) foi bom para mim nesse aspecto, porque realmente retornei às raízes. Eu me senti bem, e isso é bom. Até hoje, as pessoas reparam naquele álbum. Com freqüência acontece com os artistas e os músicos - eu ia dizer especialmente, mas acho que está mais para igualmente - de o trabalho ser aquilo que faz você se compreender. A música é especialmente boa para isso, é uma boa terapia. Estava passando pela coisa terrível de perder a amizade daqueles meus camaradas da vida toda, e para quê? Bom, a mim parecia que o motivo era tentar salvar a vida deles. Aliás, não existiria uma [gravadora] Apple para estar em litígio com a Apple, não existiria problema algum com Steve Jobs - e não existe mesmo, falando nisso, já foi tudo resolvido -, mas não existiria uma Apple Records hoje. Tudo teria desaparecido; a coisa toda simplesmente não existiria. Não haveria nenhum show em Las Vegas, não haveria nenhuma destas coisas que agora estão aí tão gloriosas se não tivesse tomado aquela atitude. Mas foi uma decisão dura de verdade. Foi uma daquelas coisas que exigem terapia depois, e para mim, voltar à música foi essa terapia. E, é claro, com a enorme ajuda de Linda. Ela foi uma das grandes responsáveis por me fazer voltar à vida e seguir em frente. Ela era um bastão de força naquele momento. Isso e produzir música fizeram com que atravessasse aquele período.

Você, George e Ringo puderam desfrutar os ressurgimentos dos Beatles. John, é claro, morreu antes de boa parte disso acontecer, e agora George também se foi.
Esta é a pior parte de ficar adulto. Você perde amigos, é inevitável. Não é exatamente uma surpresa, mas é terrível. É muito triste. Conhecia John intimamente há tanto tempo. Sempre me admiro com o fato de eu ter sido o cara que se sentava com John para escrever todas aquelas coisas. Éramos só ele e eu em uma sala e isso era bem especial. Então, perdê-lo foi horrível. E foi especialmente triste porque tínhamos superado a desavença dos Beatles. Apesar de ele estar morando em Nova York, nós conversávamos com bastante regularidade. Simplesmente conversávamos sobre coisas cotidianas - sobre o filho dele, Sean, e sobre a vida em geral, sobre os pães que ele assava. Trocávamos receitas de pão, era ótimo. Então, simplesmente foi uma tragédia horrível ele ter sido arrancado daquele jeito. No caso de George, foi igualmente trágico. Eram meninos tão lindos, sabe? [Ele faz uma pausa, e sua voz treme] George era simplesmente um sujeito ótimo. Ele era um garotinho que eu conheci em Speke, Liverpool, só um garotinho que entrou no meu ônibus. Eu subi no ponto anterior ao dele, e ele entrou e nós começamos a conversar sobre guitarras e rock'n'roll. Depois, quando estávamos procurando um guitarrista, e eu mencionei o nome dele a John, George se juntou ao grupo. E daí passou a ser apenas o sábio George. Ele era um sujeito lindo que não agüentava gente burra. Era uma alma muito linda. Nem me deixe começar, cara. É um horror ter perdido aqueles caras. Mas a verdade terrível é ser adulto.

Você tem idéia do que continua a tocar as pessoas com os Beatles depois de todos esses anos?
Acho que, basicamente, é a magia. Os Beatles eram mágicos. Para mim, a vida é um campo de energia, um punhado de moléculas. E essas moléculas específicas se formaram para que aqueles quatro caras virassem os Beatles e fizessem todo aquele trabalho. Preciso pensar que foi algo metafísico. Uma coisa que deve ser considerada mágica. Estou sendo muito extravagante? Se você quiser ser prático, acho que as músicas eram muito bem estruturadas. Quando as canto atualmente em shows, penso: "Isso aí é bom, é sim. Que verso bom. Ah, entendi!". É uma redescoberta. Você simplesmente lembra: "Ah, foi por isso que fiz assim". Então, elas também têm uma força física, é trabalho bem-feito.

Você teve papel importantíssimo depois dos ataques de 11 de setembro, organizando o Concerto para a Cidade de Nova York e ajudando a reconstruir a confiança da cidade. Mas muita coisa aconteceu para complicar nossa noção do que houve naquele dia. Quando você pensa em 11 de setembro hoje, o que lhe vem à mente?
Bom, tenho minhas lembranças pessoais de estar no [aeroporto de Nova York] JFK e de ver a fumaça das torres gêmeas. O aeroporto fechou, nosso vôo foi cancelado, fomos para Long Island e ouvimos o noticiário e assistimos a TV. E depois pensei em fazer meu próprio concerto, mas tudo culminou no Concerto para Nova York, que foi ótimo, porque muita gente queria fazer alguma coisa. Foi ótimo fazer parte daquilo - ajudar os norte-americanos em particular, mas o mundo de maneira geral, a colocar seus sentimentos em algum lugar. A oportunidade perdida foi que as pessoas ficaram com um enorme sentimento de solidariedade em relação ao povo americano, e as ações políticas que se seguiram a 11 de setembro desperdiçaram a oportunidade. Foi como se alguém no playground tivesse apanhado, mas não sabia quem tinha batido, e por isso resolveu descontar na pessoa mais próxima - e isso se transformou no Iraque. A agenda política é a culpada.

Olhando para a frente, quais são as principais questões que se colocam agora?
Fazer algum avanço em direção à paz mundial. Seria ótimo se as pessoas com diferenças no mundo hoje percebessem que não existem diferenças - é um campo de energia! Precisamos da mesma velha coisa de sempre: paz e amor. Não sendo frívolo, mas esse continua sendo o grande objetivo. Bom, e vocês aí precisam de um novo líder [risos]! Quer dizer, isso ajudaria.

Nem brinque...
O ambiente é uma realidade. Algumas pessoas me dizem: "Há tantas causas, não sei quais apoiar". Há as minas terrestres, os maus-tratos com animais, só para mencionar duas pelas quais me interesso. É como se considerassem este o problema: "Qual causa apoiar?". Eu respondo: "Não entre em pânico, apenas escolha uma que o agrade e vá em frente. Todas estão conectadas". Mas eu sou otimista, tem muita gente bacana por aí. No momento, temos montículos de terra. E tudo bem. Isso é bom. Mas precisamos que se transformem em uma montanha. Tem muita gente inteligente por aí, mas, infelizmente, também tem um monte de imbecis. Mas o meu otimismo me leva a torcer para que os inteligentes construam a montanha.

E qual você gostaria que fosse seu legado pessoal?
Sempre que me perguntavam como eu gostaria de ser lembrado, respondia: "Com um sorriso". Mas gostaria que as pessoas entendessem o que eu fiz e pensassem que há uma enorme força naquilo. Gostaria que as pessoas pensassem que uma parte daquilo chega a ser demoníaco de tão forte. Isso me bastaria.

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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Beatriz

3 comentários

Beatriz

Edu Lobo/Chico Buarque


Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz


Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida


Olha
Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz


Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida


Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz


Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida

* Ilustração: Guy Santos.

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