sexta-feira, 30 de abril de 2010

Buñuel: viver intensamente!! (programação da mostra)

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LUIS BUÑUEL, MODERNO E ICONOCLASTA


Lisandro Nogueira*


Luis Buñuel (1900-1983) é um cineasta fundamental, sofisticado e seus filmes melhoram com o passar do tempo. A última mostra de seus filmes, em Goiânia, foi em 1993. Ele é conhecido como o cineasta anticatólico, inimgo da Igreja, das religiões. Mas isso é pouco: Buñuel contribuiu decisivamente para tornar o cinema uma arte moderna.

Buñuel é um antítodo para os tempos tão pragmáticos. Os filmes debocham e ironizam com a obsessão pelo cientificismo (verdades absolutas), tecnologias (exatidão sem sentido) e moralismos do homem pós-guerra. Eles também criticam a falsa humildade do "homem bonzinho", pletora de princípios e certezas, que suga a humanidade dos outros em proveito próprio. Buñuel valoriza o acaso e todas as incertezas da vida.

O Cine-UFG vai mostrar os filmes mais importantes sem se esquecer da fase mexicana e do único filme realizado nos EUA: "A adolescente". Como em toda mostra, alguns títulos não estarão presentes - problemas com cópias, falta de disponibilidade.

A mostra de Buñuel é uma ótima oportunidade para não se assustar tanto com os dilemas e medos atuais. Ele ensina que o mais importante é respeitar os "acasos da vida". E viver intensamente!!

PROGRAMAÇÃO

SEMANA
FILME/HORÁRIO
FILME/HORÁRIO
03.05
12h - O discreto charme da burguesia
17:30h - Nazarin
04.05
12h – O fantasma da liberdade
17:30h – Via Lactea
05.05
12h – O obscuro objeto do desejo
17:30h – A bela da tarde
06.05
12h – Via Lactea
17:30h - Nazarin
07.05
12h - Diário de uma camareira
17:30h – O discreto charme da burguesia
10.05
12h – A adolescente
17:30h – O obscuro objeto do desejo
11.05
12h – A ilusão viaja de bonde
17:30h – Diário de uma camareira
12.05.
12h – A bela da tarde
17:30h –  O fantasma da liberdade
13.05
12h – Via Lactea
17:30h – O obscuro objeto do desejo
14.05
12h – O discreto charme da burguesia
17:30h –  A ilusão viaja de bonde
17.05
12h – Gran Cassino
17:30h – O fantasma da liberdade
18.05
 12h – Nazarin
17:30h - O obscuro objeto do desejo

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quinta-feira, 29 de abril de 2010

"Água fria nas utopias digitais" (entrevista com Dominique Wolton)

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A desconstrução das utopias digitais




Bolivar Torres*
A internet é mesmo a grande revolução prevista por certos teóricos? Em seu novo livro, Informar não comunicar (96 pp., Editora Sulina, Porto Alegre, 2010) o sociólogo francês Dominique Wolton joga um balde de água fria nas utopias digitais, que cravaram que as novas tecnologias iriam resolver todos os problemas da comunicação.

Para o prestigiado pesquisador do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas, na sigla em português), fundador e diretor da revista Hermès, confundiu-se os – indiscutíveis – avanços técnicos de transmissão da informação com a nossa capacidade de absorvê-los e nos adaptarmos às mudanças. O resultado é paradoxal: mais rápido avançam as tecnologias, mais lento é o nosso progresso na comunicação.

Wolton não nega a importância das novas ferramentas, mas desconstrói a ilusão de que a internet possibilitará um conhecimento sem intermediários. Ao contrário do espaço de integração e pluralidade idealizado por alguns, vê um sério risco de segmentação: usuários isolados em suas ilhas, ou limitados a seus grupos de afinidades, incapazes de dialogar com valores diferentes dos seus.

Antes que o acusem de conservadorismo, vale lembrar que o pensador defende, na verdade, uma visão mais humanista da comunicação, que coloque o indivíduo acima das tecnologias. Pede com urgência que a comunicação seja vista como um projeto político e cultural, para que possa enfim produzir um melhor entendimento entre os homens num mundo cada vez mais multipolar. 


*** Os avanços da comunicação deflagraram a nossa dificuldade de se comunicar?
Dominique Wolton – Há um descompasso entre a velocidade e o volume de informações aos quais temos acesso todos os dias e nossa capacidade de se comunicar. As informações avançam rápido, já a comunicação, muito devagar. Identificamos erroneamente as técnicas de comunicação ao progresso, e esquecemos da complexidade do homem. 

A comunicação é uma das apostas científicas do século 21: precisamos gerar nossas diferenças, coabitar, muito mais do que dividir o que temos em comum. O desafio é tomar consciência que a comunicação deve conviver pacificamente com as novas tecnologias da mesma maneira que a ecologia. O mundo finalmente deu atenção à ecologia, agora é preciso também ficar atento às ciências sociais da comunicação.

Quais são os maiores perigos da visão tecnicista da comunicação? D.W. – É uma visão que contém riscos porque cria uma confusão entre o que é informação e o que é comunicação. Não apenas releva a capacidade crítica do receptor exposto à mensagem, mas também a sua resistência a uma visão diferente do mundo. É preciso aceitar a ideia de que a comunicação também possui uma dimensão política e cultural. Se aceitamos que a ecologia deve ser um assunto político, por que não a comunicação?


Os ideólogos da revolução digital defendem que a internet pode produzir uma democracia mais direta, emancipada das instituições, e que se autorregulamentaria sem a necessidade de intermediários. É uma ideia populista? D.W. – É uma ideia democrática apenas na aparência. A internet ressuscitou a utopia da democracia direta. É ingênuo, porque se você não tem intermediários, é o dinheiro e as minorias que dominam. Não existe democracia sem intermediários: políticos, jornalistas, professores, médicos... A televisão comunitária existe há pelo menos 20 anos e não resultou na democracia direta. A mídia está cada vez mais interativa, mas não melhorou em nada. Para que haja democracia, é preciso haver eleições. Aliás, eleições servem para eliminar aquilo com o que não concordamos.


A internet é defendida como um agente do pluralismo. Mas o senhor vê um risco de conformismo, submissão ao receptor e às modas. Até agora, o digital contribuiu mais para uma homogeneização da mídia? D.W. – A internet pode se transformar em um espaço onde todo mundo pensa a mesma coisa, pois cada um se fecha em sua comunidade. Mas se for regulamentada, poderá refletir o pluralismo da sociedade. Aconteceu o mesmo na história da política, da ciência ou da arte. A comunicação é um projeto político. Com a internet, corremos o risco de entrar no comunitarismo: as comunidades se prendem em suas próprias afinidades, sem dar atenção a outras possibilidades. A comunicação é uma ida e volta, é preciso negociar as diferenças.


Em resposta à utopia de integração, o senhor aponta as "solidões interativas"... D.W. – Não podemos negar que a internet trouxe uma abertura formidável. Mas depois de um tempo, pode virar prisões individuais: as pessoas se trancam e não se comunicam com valores diferentes dos seus. A web é um sistema de informação baseado na demanda, enquanto as mídias clássicas se baseiam na oferta. A web não ultrapassa a demanda, e com isso produz uma segmentação. Por outro lado, as mídias clássicas enriquecem a demanda com a oferta.


Qual foi a verdadeira influência da internet nas últimas eleições presidenciais americanas? D.W. – Já se disse muita besteira sobre a campanha de Obama. Na verdade, ele percebeu a importância das redes sociais e se serviu delas. Mas era algo que já existia muito antes, pelos meios clássicos. Não foi a internet que deu a largada para o militantismo, ela simplesmente acelerou um sentimento que já existia na população.


O senhor afirma que o jornalismo é uma profissão, exige formação. Como vê a decisão da Justiça brasileira de anular a necessidade de diploma para praticar o jornalismo no país? D.W. – O jornalismo é uma profissão que exige responsabilidade, uma maneira de ver o mundo. É importante que ela mantenha as portas abertas para os mais jovens. Mas acreditar que ela pode acolher todo mundo, mesmo aqueles que não conhecem as dificuldades do métier, é uma visão demagógica, que pode vulgarizar o ofício. Quanto mais surgem novas mídias, mais é preciso reafirmar a importância dos intermediários e de seu profissionalismo.


O jornalismo impresso vai acabar? D.W. – Cada um tem seu lugar. A internet tem como aspecto positivo a sua capacidade de ser um instrumento de contrapoder e, como negativo, a sua segmentação. Já as mídias clássicas são positivas por se abrir a todos, mas negativas por serem generalistas demais. Precisamos de cada um dos dois em suas visões positivas. Cada mídia tem sua cultura e competência.

* entrevista realizada porBolívar Torres _JB 26.04.2010.

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sexta-feira, 23 de abril de 2010

"Alice no país das maravilhas" (em cartaz).

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Um país sem maravilhas

Fellipe Fernandes*


A mistura dos enredos de dois livros de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho, pode parecer, por critério de expectativa, engenhosa, mas no filme de Tim Burton torna-se também um ponto de dispersão. Em termos comparativos de pouca elegância, é como se uma senhora de meia-idade, ao fazer uma cirurgia plástica, olhasse o seu reflexo e não se reconhecesse.

Ou se refinarmos o pensamento, podemos dizer que há um descolamento de dimensões narrativas que influi no processo de adaptação cinematográfica que analisarei ao recobrar também, entre outros, mas especialmente os estudos de Robert Stam e Tara Collington, de quem tomo emprestados os conceitos de carnavalização (mistura de elementos diversos em que as regras ou padrões sociais, morais e ideológicos comumente seguidos são subvertidos ou postos de lado) e cronotopo (a unidade de espaço-tempo, indissolúvel e de caráter formal expressivo) como embasamento teórico.

A mescla de ambas as tramas de Carroll mostra que a relação entre os textos literários e o próprio filme em si não se correspondem mutuamente, uma vez que a obra audiovisual de Burton exagera nos aspectos carnavalescos da fonte originária, transferindo o foco principal tempo-espacial para as considerações representacionais que estão ligadas à tentativa de fidelidade em relação ao original, tendo a expressão “tentativa” mais como uma indicação de pretensão e não como o sucesso que se pode obter no resultado.

Lembremo-nos então da noção de paródia que, por princípio, envolve também o conceito de apropriação e imitação, observando que, com o travestismo carnavalesco do texto original, temos a descrição de uma latente influência que uma adaptação sofre quando as mudanças feitas colocam em questão as pressuposições ideológicas da fonte. O que, na Alice de Burton, está, especialmente, na decisão de implantar uma hierarquia – não de poder, mas sim de importância – entre os personagens do filme que não existe nos livros de Carroll.

Ou seja, há no filme certo distanciamento psicológico dos personagens, fato que os torna caricatos e que desvia a atenção do espectador para longe de temas que realmente importam para a história, como a solidão implicada em tais personagens em sua gênese e também a rede de interdependência que essa mesma solidão cria entre eles. Isto é, parece não haver justificativa que dê razão à diminuição presencial de outros personagens como a lagarta azul ou o gato risonho que, no filme, aparecem notas de rodapé se comparados à Rainha Vermelha (ou de Copas) e ao Chapeleiro Maluco, respectivamente interpretados por Helena Boham Carter e Johnny Depp.

O que também é um sinal muito claro da falta de coordenação ideológica entre Burton e Disney, o estúdio que o produz. Esse cabo de guerra silencioso converteu a história de Alice em um filme sem personalidade, que transita entre o bonito e o estranho, o que prejudica substancialmente a noção de transposição espaço-tempo que se supõe a adaptação cinematográfica de textos literários, o que reflete diferentes preocupações culturais e pode explicar a diversidade das reações do público às novas narrativas da mesma história contada.

Obsessão com o 3D

Uma explicação para a atual obsessão com a tecnologia 3D e também para compreender um pouco o conceito artístico de Burton em Alice. Sim, a arte conceitual é forte e bonita e, não obstante, é, ao mesmo tempo e de certo modo, uma espécie de redução semântica e maniqueísta, sendo esse exagero visual uma ferramenta para esconder a fragilidade da adaptação e, consequentemente, do comprometimento que sofre a narrativa.

E se formos, além de qualificar, também quantificar o prejuízo sofrido com aspectos técnicos, basta notar que o filme é entediante e tedioso ao perder ritmo nas cenas de ação, por exemplo. Com a transição da história para a segunda metade do filme, o eixo é convertido numa fantasia muito mais branda e estereotipada que o distancia ainda mais do original. No final das contas, somos colocados diante de uma trama sem emoção ou situações que pouco empolgam, e muitas das surpresas reservadas para o final, quando aparecem, já estão cansadas e pedindo desesperadamente para que o filme termine de uma vez por todas.

Não quero com isso entrar no julgamento de qualidade entre cinema e literatura, como se ambos não pudessem coexistir e tampouco a ideia de haver entre eles uma relação de aproveitamento subserviente, uma vez que, como expõe Ismail Xavier, livro e filme são “dois extremos de um processo que comporta alterações de sentido em função do fator tempo, a par de tudo o mais que, em princípio, distingue as imagens, as trilhas sonoras e as encenações da palavra escrita e do silêncio da leitura”.

Nunca acreditei – e assim continuo crendo – que um filme adaptado da literatura tenha necessariamente que ser comparado ao livro do qual se originou. Uma adaptação é apenas mais uma interpretação de uma história, tal como são também diferentes as imagens e entendimentos que cada um de nós tira da mesma história quando a lemos. O que eu enxergo não é o mesmo que você vê, ainda que estejamos olhando para o mesmo ponto.

Todavia, o que me faz não gostar de Alice no País das Maravilhas de Tim Burton é a pretensão entranhada em sua narrativa que, se analisada de maneira abrangente, é uma indicação muito explícita da forma como, situada sob os conceitos tecno-futuristas de sua manufatura, olha para a trama de Lewis Carroll a partir das escolhas estéticas que foram feitas em sua adaptação com uma mirada de realidade que exclui a atualidade do texto original, sendo que o próprio filme, em questões de narração – esse aspecto comum às duas artes –, é a parte pouco original da discussão.

* Fellipe Fernandes: ex-membro do grupo Cine-análise (20063/06), na FAcomb-UFG, foi meu orientando na graduação e  pós-graduação em cinema e realiza mestrado na Espanha, Alicante, sobre "Cinema e literatura".

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quinta-feira, 22 de abril de 2010

Como treinar seu dragão (em cartaz)

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Dragão dócil, filme meio rebelde


Fabricio Cordeiro*


A figura do dragão é uma dessas que parecem atrair pessoas de qualquer canto do globo. Existe em ampla mitologia, do bíblico ao oriental, tendo encontrado forte reforço em tatuagens e jogos de RPG. O que seria um réptil alado, dragão virou sinônimo de poder e intimidação, com algo estranhamente sexual no meio. Como muitos outros seres (mitológicos ou não), o dragão é visto pelo Cinema como bonzinho ou vilanesco. O de Como Treinar Seu Dragão, animação da DreamWorks, é do bem.

Em primeira mão, o filme oferece exatamente o que se espera: relação amistosa entre um dragão e um humano, também recorrente no Cinema. Melhor exemplo talvez seja o primeiro A História Sem Fim, em que um garoto voava sobre um dragão-cachorro felpudo e amigão. Entre os piores temos Coração de Dragão (aquele com dublagem de Sean Connery lá e Miguel Falabella aqui) e o recente Eragon, um desastre. A lógica mostra que jovens no meio geram possível amizade entre as duas espécies.

A amizade em Como Treinar Seu Dragão é bem construída, com boas introduções e uma paciência relacionada a estudo e aprendizagem na relação entre o menino carismático Soluço e o pequeno dragão poderoso Banguela. Contra todas as expectativas (incluindo as do pai, dublado por Gerard “Só Faço Papel de Guerreiro Truculento ou de Apaixonado Retardado” Butler), o garoto aprende na unha e na escama a como tratar dragões em vez de matá-los, um costume da ilha viking do filme, que treina caçadores ainda crianças. Existe até um viking gordinho nerd, armado com informações numéricas. O humor aqui é dos bons.

Esse exercício de ternura trabalha a domesticação de maneira bem aceitável. As criaturas são bizarro-fofuras que tendem levemente ao dócil. Tanto em design quanto em trejeitos, Banguela é xerox do alienígena Stitch de Lilo e Stitch, só que em versão alada. São os mesmos diretores, Dean DeBlois e Chris Sanders, então a associação é certeira e não há crime. DeBlois também dirigiu Heima, longa sobre a banda Sigur Rós, praticamente um desses filmes-pra-DVD, mas maravilhoso de um jeito quase espiritual não-maculelê.

Visual geral de Como Treinar Seu Dragão é digno de atenção especial. A consultoria do diretor de fotografia Roger Deakins (colaborador dos irmãos Coen) parece dar mais textura do que a própria máquina de venda atual que é o 3-D. As imagens destacam a terceira dimensão, mas a luz dessa animação é uma coisa. Sequência de ação final é um espetáculo a parte nesse sentido. Contudo, é engenhosa não apenas na grandiosidade e beleza, mas também como clímax de um peso dramático trabalhado e carregado até o fim, quando já abraçamos voluntariamente o ideal de amizade representado por dragão e menino protagonistas. Dessa sequência vem conseqüência, uma porção de ousadia para distinguir a animação com uma lição acompanhada de duro aperto. Pode haver choro.

Fabrício Cordeiro é membro do projeto de extensão "Cine-UFG, debates".
Twitter: @fabridoss

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terça-feira, 20 de abril de 2010

Os pichadores: artistas, vândalos...sintomas?

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  foto: N. Leme

O x da questão

Fernando Barros e Silva*


A estátua do Cristo Redentor, no Rio, amanheceu pichada na última quinta. Braços, peito, rosto. Não é preciso ser católico (nem burguês) para ficar incomodado com esse vandalismo. Entre os borrões, havia dizeres contra a violência, citando casos de pessoas desaparecidas ou assassinadas. Há quem veja na depredação de um símbolo da cidade uma forma válida de protesto, uma ação "política", talvez até "artística".
A discussão está colocada em São Paulo. A 29ª edição da Bienal, a ser realizada em setembro, decidiu abrir espaço aos pichadores.


O curador Moacir dos Anjos diz que o "pixo", com "x" (grafia usada pelos adeptos como assinatura do que fazem), "questiona os limites usuais que separam arte e política", tema desta bienal.
O grupo que está sendo anexado ao "grand monde" agiu com método. Em 2008, pichou uma escola de arte (onde ela é ensinada), uma galeria (onde é comercializada) e a própria Bienal do Vazio (o templo da arte). São artistas ou vândalos? Representam algo "radical" ou só regressivo? A Bienal está se abrindo à cidade ou fazendo populismo ao patrocinar a delinquência?


É preciso muito boa vontade para ver algo além do testemunho da exclusão na ação ao mesmo tempo selvagem e monótona dos pichadores. Ao descrever a depredação do patrimônio por jovens no contexto europeu, o ensaísta alemão Hans Magnus Enzensberger disse: "Nas ações espontâneas expressa-se a raiva das coisas em bom estado, o ódio por tudo o que funciona e que forma um amálgama indissolúvel com o ódio por si mesmo". Bingo!


Mas aqui não estamos em Frankfurt. Falamos de jovens da periferia, de Osasco e de Pirituba. Na afirmação de uma identidade vazia ou na destruição de qualquer identidade, a pichação é também um veículo do ódio (e da frustração) com as coisas que não funcionam -ou funcionam para os outros.
Os pichadores não precisam de Bienal, mas de família, escola e uma perspectiva de vida decente.


* publicado em 16.04.2010 na FolhaSP.

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domingo, 18 de abril de 2010

Educar pelo cinema

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 SEM PALESTRA, COM TEXTO

Lisandro Nogueira*

Nos últimos dois meses troquei vários emails com Contardo Calligaris. O objetivo era convidá-lo para realizar uma conferência em Goiás. Em todos os emails a educação e o interesse estiveram presentes. Cecília, minha amiga de longa data, o conhece desde os anos 90 - teve contato ainda em Porto Alegre, nas palestras inteligentes e audaciosas feitas por ele.

Boa parte do pessoal do Cineclube Antônio das Mortes, sempre gostou, estuda e admira a teoria freudiana. A admiração cresceu depois que observamos o interesse dos psicanalistas em debater o cinema. Eles sempre foram mais disponíveis do que outros intelectuais, além da presença constante nas mostras e sessões de cinema.

Cecília lembra constantemente que Calligaris gosta muito de cinema. Cita  trechos de filmes em palestras e acompanha bem de perto os lançamentos nacionais e internacionais. Mas não deu certo sua vinda, por problemas de agenda, e o convite deve ser refeito em outro momento. Como consolo para o "choque de datas", Cecília enviou uma entrevista do psicanalista e pediu que eu publicasse no blog. Segue abaixo a entrevista: 

* * *
  
Educar pelo cinema*

Quase sempre, na vida de um adolescente, não basta preparar-se para o futuro; ele quer viver

QUANDO CHEGA uma convocação da orientação pedagógica do colégio de seus filhos, alguns pais já sabem que escutarão queixas: o garoto não estuda e não presta atenção, anda com uma gangue, dever de casa nem se fala etc.

Para mim, a queixa mais alarmante é a que diz que nosso filho é legal, mas não se interessa por nada -não só por nada do que a escola lhe propõe: nenhum esporte, nenhuma atividade extracurricular, nenhum hobby, nada.

Ele pode, eventualmente, ser obcecado com sua aparência (roupas, marcas, corte de cabelo), mas, no mais, ele só gosta de jogar conversa fora num shopping, beber cerveja, ficar no MSN e, às vezes, fumar cigarros ou baseados. O baseado é pior: afasta das tarefas cotidianas e do desejo, e, quando o afastamento se torna angustiante (os adolescentes sofrem com sua própria inércia), volta-se ao baseado para acalmar a angústia.

É um tranco que muitos pais atravessam do jeito que dá: desde as punições (cortar mesada, computador, saídas) até as tentativas desesperadas de envolver o rebento nas atividades dos adultos. "Ele vai jogar bola comigo", "Por caro que seja, se formos para o Quênia, ele vai se interessar, ao menos, pela vida dos elefantes. E pode querer ser veterinário", "E se comprássemos um cachorro do qual só ele se ocuparia?", "E se ele trabalhar na ONG daquela amiga que cuida de crianças de rua?", "Se ele encontrasse uma namorada, não seria o estímulo que lhe falta?".

O fato é que quase sempre chega um momento, na existência de um adolescente, em que, de repente, preparar-se para o futuro não lhe basta. Ele não quer se preparar, quer viver. Só que não sabe bem o que seria "viver": o mundo, como dizia a mãe de Forrest Gump, é uma caixa com chocolates variados, mas, no caso, por não conhecer os gostos e os recheios, o jovem hesita e morre de fome.

Os pais e os adolescentes que passam por essa situação não precisam se desesperar. O tempo cura muitos males, e a vida não é tão curta assim que um adolescente não possa "perder" alguns anos (tanto mais que nem sempre os ditos anos são propriamente perdidos).

Enfim, pais e adolescentes, que estejam ou não em apuros, não percam o livro de David Gilmour, "O Clube do Filme", que acaba de ser traduzido pela Intrínseca e que é uma pequena joia de coragem e sinceridade.

Gilmour conta como, confrontado com um filho de quinze anos que ele adorava, mas que não se interessava por nada, diante do espetáculo intolerável da aflição do garoto com as obrigações escolares, ele decidiu retirá-lo da escola. Mas nada de "Se você não quer estudar, tem que trabalhar; vagabundo não cabe nesta casa". Gilmour inventou uma educação alternativa: nenhuma obrigação, salvo a de não usar drogas (crucial) e a de compor, com o pai, o clube do filme, ou seja, assistir, três vezes por semana, a filmes que o pai escolheria e introduziria com breves comentários. Depois disso, a cada vez, pai e filho conversariam sobre o filme. O garoto, evidentemente, topou.

Começaram assim vários anos em que pai e filho viveram uma relação que não era parasitada pela necessidade de forçar o garoto a estudar, mas não foi nenhum paraíso: o pai, que atravessava um tempo de fracasso profissional, não parava de questionar sua própria decisão (será que ele estava acabando com o futuro do filho, que, aos 16 anos, não sabia onde está a Flórida no mapa?), e o filho não tinha como não sofrer com a sensação de estar sem rumo na vida.

A história acaba bem. Mas, cuidado, não é uma receita praticável, a não ser por quem tenha uma coragem de leão e, sobretudo, consiga amar seu filho mesmo que ele não corresponda aos sonhos dos pais (tipo de amor muito mais raro do que a gente imagina). Além disso, eu me perguntei se não teria sido possível instituir o clube do filme sem que o garoto saísse da escola (talvez não, talvez sim).

De qualquer forma, terminei o livro com dois pensamentos.

1) Há uma coisa que nossos filhos precisam conquistar, e que nunca vai ser uma matéria do programa: é o desejo de viver. Nessa tarefa decisiva, a ficção talvez seja o melhor recurso. E, das ficções, o cinema é a mais facilmente acessível.

2) Os adolescentes devem se preparar para sua vida futura, mas, igual eles estão vivendo, agora. Às vezes, parecemos sacrificar radicalmente seu presente em troca de nossa própria (ilusória) tranquilidade quanto ao seu futuro.

* publicada em 22.07.09, blog "Verdes trigos".

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sexta-feira, 16 de abril de 2010

"Chico Xavier", o filme

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Eles vivem


Fabricio Cordeiro*

Daniel Filho é o grande nome comercial do nosso Cinema. Com os dois Se Eu Fosse Você e agora Chico Xavier, é quase como ter o nosso próprio James Cameron, mas com a diferença de oferecer um cinema quadrado e tacanho, não muito diferente do que se vê em especiais de televisão. Seu próximo filme será Roque Santeiro.

O sucesso de Chico Xavier no Brasil, maior país espírita do mundo, não é surpresa, especialmente se pensarmos que boa parte desse mesmo público já se dispôs a ver a cinebiografia de Bezerra de Menezes, uma coisa cinematograficamente injustificável. Como um A Paixão de Cristo, é filme acompanhado por torcida organizada. Antes das cópias, há exibição de um trailer especialmente constrangedor de Nosso Lar, longa baseado em obra do famoso médium aqui cinebiografado, num perfeito exemplo da noção do produto vendável que eles tem em mãos.

O filme alterna a narrativa entre cinebiografia comum, com cenas da vida de Chico desde a infância, e sua entrevista ao vivo no programa Pinga-Fogo, em 1971. É protagonizado com semelhança por Nelso Xavier (nenhuma relação familiar) e tem a vantagem de trazer Tony Ramos no elenco, ambos prisioneiros de muitas cenas que lembram aquelas reconstituições (criminosas, religiosas...) de TV. Nesse sentido, destaca-se o momento em que Ramos e Christiane Torloni, ambos esforçados, leem uma carta. Parece evidente a existência de um tom de pregação embutida, com Ramos no papel do cético que quase se converte. É ver para crer.

Grandes óculos escuros compõem a imagem mais conhecida do psicografista, explorados em alguns cartazes interessantes e em outros que lembram o gênero terror. Óculos de Chico não são 3-D, mas ele via coisas que mais ninguém via. Lembram também os óculos especiais de Eles Vivem, jóia bruta de John Carpenter. Curiosamente, “Eles Vivem” é título que tem tudo a ver com espiritismo.

Cabe a Giovanna Antonelli cravar a pauladas essa habilidade de um Chico ainda criança. Chiquinho aponta para uma presença invisível e a atriz diz, quase como um zumbi: “Cadê? Cadê essa pessoa que eu num vejo?”. A cena só não é a mais ridícula de todo esse conjunto desconcertante porque Daniel Filho nos brinda com uma que se passa a bordo de um avião, dirigida como se fosse um esquete ruim do Casseta e Planeta.

No entanto, não há dúvida da figura poderosa na qual Chico Xavier se tornou. Se nos limitarmos a estatísticas gerais das exibições, Xavier surge mais atraente que o Presidente Lula, cuja recente cinebiografia rendeu curiosa decepção. Durante os créditos finais, são exibidas imagens de arquivo da real entrevista no Pinga-Fogo, incluindo a história do avião contada com mais humor pelo próprio Chico, aparentemente um melhor contador de histórias do que Daniel Filho.

Por Fabrício Cordeiro: é membro do grupo "Cine-UFG, debates".
Twitter: @fabridoss

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quinta-feira, 15 de abril de 2010

Mostra de Luis Buñuel: a partir de 3 de maio, Cine-UFG

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quarta-feira, 14 de abril de 2010

A Inglesa e o Duque (Cine-UFG, de 26 a 30 de abri)l.

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A inglesa e o Duque

L'anglaise et le Duc (França, 2001).

De Eric Rohmer.

Com Alain Libolt, Caroline Morin, Christian Ameri, Eric Viellard, François Marthouret, François-Marie Banier, Helena Dubiel, Jean-Claude Dreyfus, Leonard Cobiant, Lucy Russel, Marie Riviere, Michel Demierre, Serge Renko.

Grace Elliot é uma jovem aristocrata escocesa que vive em Paris durante a Revolução Francesa e teve um romance com o Duque de Orléans, primo do rei da França. O relacionamento dos dois é bastante complicado e, quanto mais os acontecimentos políticos se agravam, mais se torna complexo. Grande defensora da monarquia, Grace não é capaz de conciliar seus sentimentos com as escolhas políticas do duque, partidário da morte do monarca. Esse dilema complica a situação da moça, que corre o risco de ser condenada à guilhotina, acusada de ser espiã da Inglaterra, grande inimiga da Revolução.
* Seleção oficial Festival de Venez.

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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Quem é o homem-cinema? (entrevista).

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O homem cinema

Leneide Duarte-Plon*



Um é o cineasta mais estudado, debatido e polêmico da França, um dos criadores da nouvelle vague. Seu nome é uma espécie de palavra-slogan que significa cinema.
O outro é um historiador e jornalista, especialista no movimento de vanguarda do cinema francês da virada dos anos 50/60, autor de uma biografia de Truffaut (em coautoria com Serge Toubiana, ed. Record), ex-diretor da revista "Cahiers du Cinéma" e ex-editor de cultura do jornal "Libération".

Quando Antoine de Baecque resolveu fazer a biografia de Jean-Luc Godard, o cineasta não se mostrou entusiasta. Dizia que sua obra é que interessa, não sua vida. Mas a editora Grasset comprou imediatamente a ideia. O resultado é uma obra de 944 páginas -"Godard"-, em que o nome está sutilmente dividido (GOD numa linha, ARD, na outra).|A seguir a entrevista sobre um dos principais cineastas da história do cinema.


FOLHA - Quem é Jean-Luc Godard?
ANTOINE DE BAECQUE - Como ele mesmo diz, "eu sou uma lenda viva". É um mito. Acho que ele tem razão, Godard diz a verdade. O que é uma lenda viva? É um nome -Godard- que significa cinema no mundo inteiro; é uma espécie de palavra-slogan que quer dizer cinema. Foi algo que aconteceu muito rapidamente, e ele viveu grande parte de sua vida sob esse peso. A partir disso, era preciso tentar ver o que havia por trás. O interessante é esquecer um pouco a lenda, confrontá-la com os fatos e atos de uma vida.
FOLHA - O que encontrou além do mito?
DE BAECQUE
- Não há na vida de Godard segredos que expliquem seu personagem, seu destino, sua genialidade. Não é como Truffaut... Este era um bastardo, que tinha uma espécie de trauma de infância que fazia com que o pequeno Truffaut estivesse sempre presente, não muito longe do homem que se construiu justamente para superar esse trauma, o fato de não ter tido pai e não ter sido amado. Em Godard, não há segredo de família, exceto quando se fala de rupturas, pequenas decisões em sua vida que explicam o personagem -sobretudo a ruptura com a família, quando decidiu fazer cinema.
FOLHA - Por que precisou romper com a família para fazer cinema?
DE BAECQUE
- Godard vem de uma grande família protestante, rica, culta, uma espécie de aristocracia do espírito. Na França, os Monod são uma grande família, que queria uma cultura nobre para o filho mais velho -e não o cinema. Essa ruptura foi acompanhada de uma série de outras, muitas vezes violentas em relação ao meio familiar, o que tornou Godard um adolescente ladrão. Furtou muitas coisas de muitas pessoas, inclusive em família. Por exemplo, um livro original autografado por Paul Valéry, que roubou da grande biblioteca de seu avô -a grande figura da família e amigo daquele poeta. Furtou um livro da coleção do avô para vender. Isso culminou em seu banimento pelos Monod. Foram essas rupturas que fizeram com que Godard se construísse como Godard. Ele renegou muito a si mesmo, mudou bastante de rumo, numa contradição permanente consigo mesmo. De certa forma, isso faz parte de sua própria mitologia, algo que ele mesmo dissera em entrevistas.
FOLHA - O interessante no livro é acompanhar a realização de cada filme, suas relações com os produtores, com os atores. Tudo isso torna a biografia uma fonte inesgotável para os cinéfilos.
DE BAECQUE
- Sim, mas também é uma biografia de cineasta. Espero mexer com o discurso estabelecido dos godardianos. Sobre ele, existe um discurso onipresente, extremamente importante, que respeito, que li e que até mesmo contribuí para criar. Mas gostaria que o livro destruísse essa ideia forte -a de que a vida de Godard não tem importância e de que seus filmes podem ser compreendidos sem passar por ela.
FOLHA - Como surgiu a ideia da biografia?
DE BAECQUE
- Eu já havia tido contato com Godard, tinha feito entrevistas com ele quando dirigia os "Cahiers du Cinéma" e quando fui editor de cultura do "Libération". Nas entrevistas, ele é o contrário de um bom assunto biográfico: não gosta de falar de sua vida, não gosta que falem de si e é muito desconfiado. O que me levou a escrever o livro foi essa dificuldade.
FOLHA - Foi a editora quem encomendou o livro ou o sr. o propôs?
DE BAECQUE
- Fui eu que propus, dizendo que tinha vontade de fazer uma coisa impossível, escrever uma vida de Godard. A editora topou, mas Godard não estava de acordo.
FOLHA - O sr. o contatou?
DE BAECQUE
- Eu disse que iria escrever a vida dele.
FOLHA - E como ele reagiu?
DE BAECQUE
- Ele me disse: "Você não vai conseguir; de qualquer forma o importante é a obra, não a pessoa".
FOLHA - Evidentemente, o sr. não concorda com isso.
DE BAECQUE
- Ao contrário, acho que a vida de Godard tem um duplo interesse. Ela é feita de contradições, de rupturas, de mil encontros. Ele viveu no mundo do cinema de maneira intensa e tem uma vida densa, uma existência rica, ao contrário do que ele mesmo diz. Sua vida é tão fascinante pelo modo como ilumina a vida de seus contemporâneos. Seu cinema e seu modo de viver são o que capta as diferentes épocas que atravessou. Minha ambição é, como digo na introdução do livro, conhecer o gosto do café de Godard. Ele disse de maneira virulenta, um pouco insolente: "De que serve saber que tomo café de manhã?", isso para dizer que a vida não tem importância. Godard tem o gênio de apreender o que faz a vida de uma época; ele é o melhor radar para captar isso e devolvê-lo com um estilo particular.
FOLHA - O sr. diz que seu livro "atrairá o descontentamento de Godard, sua contestação humilhante, até mesmo uma carta de insultos, e o opróbrio dos godardianos do mundo todo". Por quê?
DE BAECQUE
- O que me deixa feliz é que o livro está sendo bem recebido pelos não godardianos. Godard o recebeu, mas ainda não se manifestou. Penso que dirá algo sobre ele, pois apresentará "Socialismo" em Cannes, em maio. Acho que irá reconhecer que representa muito trabalho, que é benfeito, mas não poderá deixar de dizer que não é assim que se compreendem seus filmes. E acho que ficará furioso com algumas passagens.
FOLHA - Por exemplo?
DE BAECQUE
- Suas relações interpessoais, suas relações com as mulheres. Ele não gosta de falar disso, das rupturas difíceis, dos mortos que o cercam. Acho indispensável falar disso para tornar a vida de Godard compreensível. Penso que não irá reagir bem. Será que vai escrever uma carta, me humilhar em público?
FOLHA - O sr. diz que Godard é, ainda hoje, um dos artistas mais célebres, mais comentados e mais analisados do mundo. Por quê?
DE BAECQUE
- É um personagem que fascina muita gente. Cresci vendo filmes como "Salve-se Quem Puder - A Vida", "Passion", "Carmen de Godard". Eu tinha 20 anos. Ao mesmo tempo em que os de Truffaut, como "O Homem Que Amava as Mulheres", "A Mulher do Lado" , que me deram vontade de escrever sobre o cinema, fizeram de mim o que me tornei. Isso me formou.
FOLHA - O sr. diz que Godard "soube moldar seu próprio personagem de bufão midiático, de Diógenes comunicador". Acontece que o bufão é também um melancólico. Ele é tudo e o contrário de tudo, um paradoxo ambulante?
DE BAECQUE
- Godard é feito de contrastes, de paradoxos. É extremamente generoso, mas muito centrado em si mesmo, egocêntrico. Também pode ser extremamente doce e violento, pudico e extrovertido, terno e perverso. Mas está mais para o lado da melancolia, de uma forma de tristeza, de tragédia.
FOLHA - De misantropia também?
DE BAECQUE
- Sim. É uma pessoa para quem o fato de não estar bem é inspirador. Ele sempre filmou pessoas que carregavam um mal-estar, fez filmes que acabam sempre mal. É essa infelicidade, um estado do ser, o mal-estar, o trauma em relação à história, às mulheres, à família, em relação a si mesmo, à sua própria personalidade, que o inspiram. É muito mais o cineasta de personagens habitados pela infelicidade do que de personagens felizes.
FOLHA - O sr. é autor de uma biografia e um dicionário Truffaut e de um livro sobre a nouvelle vague. O atual cinema francês está à altura de Truffaut e Godard? Quais são os grandes talentos atuais?
DE BAECQUE
- Desde a nouvelle vague, desde os anos 60, todos os anos muitos iniciantes fazem um primeiro ou um segundo filme. Isso é muito importante na França, mais que em outros países. É uma constante no cinema francês. De maneira geral, um terço dos filmes franceses são um primeiro ou um segundo filme.
FOLHA - E esses jovens cineastas chegam a construir uma carreira?
DE BAECQUE
- Mais ou menos, assim como na nouvelle vague. Naquela época, havia 120 cineastas que fizeram um primeiro filme em três anos e, depois, somente 10 ou 15 continuaram -cerca de 10%. Hoje, é a mesma coisa, talvez um pouco mais. A nouvelle vague legou a essa juventude a vontade de fazer cinema. Ser artista, hoje, passa pelo cinema.
FOLHA - Mas, na França, há o Estado com as subvenções e toda sorte de ajuda...
DE BAECQUE
- As subvenções ajudam, mas existe a vontade de fazer cinema quando se é jovem, e isso vem da nouvelle vague. Mas o que falta, hoje, é a polêmica, uma certa violência, rebelião. Isso foi o que Truffaut e Godard encarnaram quando eram críticos, nos anos 60. Hoje, o cinema francês é bastante consensual, falta-lhe aspereza. É muito diversificado, mas falta agressividade. Há herdeiros de um ou de outro.
FOLHA - Justamente. O que Godard representa hoje para um jovem cineasta?
DE BAECQUE
- Acho que duas coisas contraditórias: de um lado, o velho babaca no panteão metido a dar lições. Godard gostou de fazer esse papel e acabou detestado por isso mesmo. O velho que vem nos contar como se faz cinema, que era melhor antes. Essa é a imagem do "Godard que pertence ao passado, isso não nos interessa mais". A outra é a de Godard como "meu irmão visionário, a inspiração direta, espécie de Rimbaud". Nas escolas de arte, nas escolas de cinema, essa imagem de Godard é muito importante.
FOLHA - E prevalece sobre a outra?
DE BAECQUE
- Podem coabitar. A influência de Godard perdura e é algo que me parece importante -e não só na França.
FOLHA - Logo, ele não é uma figura do passado...
DE BAECQUE
- Seus filmes perturbam, estimulam esses jovens, sem passar pela história do cinema. Existem no presente e ainda repercutem -isso é o que faz a força de Godard. O cinema de Truffaut é mais datado, mas tem muita influência por sua vida. Em Truffaut, o que conta é a maneira de viver, de amar o cinema, sua maneira de amar os filmes.
FOLHA - O que mais ficou de Truffaut, em sua opinião, é o lado de crítico de cinema?
DE BAECQUE
- É mais o homem Truffaut que tem significado para o cinema. Já em Godard, o que mais fica é a forma, a obra.
FOLHA - E, assim como Godard e Truffaut, o sr. não teve nunca vontade de fazer cinema, de ser cineasta?
DE BAECQUE
- Fiz documentários. O último, "Deux de la Vague" [Dois da Onda, escrito por ele e dirigido por Emmanuel Laurent, com estreia no Brasil prevista para 28/5], trata da amizade e da ruptura entre Truffaut e Godard. É um filme de imagens de arquivo, e não é a mesma coisa que fazer cinema como cineasta.
FOLHA - Godard foi acusado de antissemitismo. O que o sr. pensa dessa acusação?
DE BAECQUE
- É um contrassenso. Godard é antissionista, seu pensamento se reformou no início dos anos 1970, como denúncia do imperialismo americano e do expansionismo do Estado de Israel, por solidariedade com a causa palestina. Isso o leva a uma visão da história como uma espécie de maldição ligada ao extermínio dos judeus, ao Holocausto, que para ele é o acontecimento central do século 20. Ele não é negacionista; ele diz que as vítimas se transformaram em carrascos.
FOLHA - Godard cultiva o gosto pelo paradoxo e pela provocação. Com "Socialisme", seu novo filme, quem ele quer provocar?
DE BAECQUE
- Quer provocar uma discussão sobre a morte do comunismo, como o filósofo Alain Badiou, que faz o papel de um filósofo no filme e diz que "o comunismo é uma ideologia com o futuro diante dela". Acho que se encontraram em torno dessa ideia e se entendem perfeitamente, ao pensarem que o futuro da utopia é o socialismo. Isso é bastante provocador num mundo como o nosso, que quis enterrar o comunismo.

* Entrevista publicada na FolhaSP, em 11 de março.

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sábado, 3 de abril de 2010

Debate: "Chico Xavier"

75 comentários


VOCÊ GOSTOU DO FILME SOBRE "CHICO XAVIER"? OBSERVOU PRECONCEITO em relação a OUTRAS RELIGIÕES COMO O CATOLICISMO? 

QUAIS OS MOTIVOS PARA O FILME NÃO ABORDAR A QUESTÃO FUNDAMENTAL DO KARDECISMO: A RELAÇÃO ENTRE FÉ E CIÊNCIA?

(enviado p/ Patricia Moraes, socióloga, pesquisadora sobre religiões no Brasil)

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quinta-feira, 1 de abril de 2010

O quereres, ou, por favor, professor, Caetano tb. é poeta.

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O QUERERES*
Caetano Veloso

Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão


Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês


Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor


Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói


Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és


Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock’n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus


O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim.

* letra de Caetano Veloso - CD: "Velô" (1984) * Ilustração: Deusa Hera.

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