domingo, 25 de outubro de 2009

Diálogos sobre o "Anticristo" de Lars Von Trier (em cartaz)

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Diálogos sobre o “Anticristo” de Lars Von Trier



Lisandro Nogueira e Rodrigo Cássio*


A “cabine” é uma sessão de cinema antecipada para que os jornalistas, críticos de cinema e convidados possam ver o filme antes da estréia. Fomos ver o filme na sexta-feira, 9h da manhã, no Cine Lumière. Na sessão, tivemos a idéia de realizar um diálogo e publicar nos nossos blogs (vistoseescritos.wordpress.com). Vamos ao debate:

Lisandro Nogueira: O que gostei mais no filme "Anticristo" de Lars Von Trier, foi a possibilidade de ver um bom cinema. Gosto de um "bom cinema": aquele que provoca, dá prazer estético, independente do tema ou conteúdo, e que me faz sair bem do cinema. Apesar do "terror" tão propalado, saí muito bem do cinema. Como vimos o filme juntos, às nove da manhã, na sessão cabine, observei que você também gostou do filme.

Rodrigo Cássio: Também gostei do filme. O que me chamou especialmente a atenção quando assistimos, e confirmei quando assisti pela segunda vez, à noite, foi a habilidade do Lars Von Trier em se apropriar de convenções como a do drama e do cinema de horror, levando adiante um preceito comum ao movimento Dogma 95, que foi, de fato, uma atualização do cinema narrativo clássico (a meu ver, a mais interessante alternativa contemporânea, nesse sentido). Por isso, o prazer de um "bom cinema" está ali: tanto pelas sensações que ele instiga no espectador, quanto em virtude de um deleite visual: Von Trier sabe como poucos conciliar a presença da câmera, na cena, e a direção dos atores. Você notou que a câmera está sempre "presente", construindo o sentido?


LN: Sim. Recordo-me da velha questão cinema clássico e cinema de arte: o primeiro nos coloca dentro da cena e fica difícil escapar e não se envolver; o segundo, propositadamente, nos afasta, nos coloca fora. Mas isso é uma generalização, pois depende muito do estilo do cineasta e até do contexto. O que fica claro é que Von Trier conecta sua câmera com o sentimento dos personagens, faz closes, acompanha o sofrimento; porém, nada leva ao sentimentalismo ou ao terror - como foi meu caso. Vejo beleza nas imagens e vejo uma "humildade" lancinante do Trier, diante da representação do sofrimento e da dor.



RC: Lembro de dois momentos que podem ilustrar o fato de que as opções de um cineasta (isso a que podemos chamar "estilo") são determinantes para um bom filme. Mesmo quando diante de intenções já extremamente codificadas pelo cinema hegemônico (como levar o espectador a sentir compaixão, expectativa ou medo), o Von Trier tem o cuidado de inserir "nuances" na encenação e nas personagens, evitando que elas fiquem opacas ou unidimensionais. Na primeira parte do filme, quando travam um duro diálogo na cama, o casal fecha a cena com um beijo (o que seria contraditório, em princípio). Já no final, no momento exato em que o marido consegue se desprender do objeto que estava limitando seus movimentos, há um corte para a esposa, em primeiro plano. A expressão da atriz, nesse quadro, contraria tudo o que poderíamos esperar da cena (a nossa expectativa), sendo ela um desfecho da ação libertadora do marido. Há uma inusitada ternura no olhar daquela mulher: a complexidade psicológica da personagem é refletida no âmbito da aparência, isto é, no âmbito da imagem (e cinema é imagem, não pode prescindir delas).




LN: Então concordamos que estamos diante de um "cinema autoral": estilo próprio e visão de mundo (tema e conteúdo) singular. Outra cena que me chamou atenção e que revela o "estilo próprio": a queda da criança. Quantas vezes lemos e ouvimos nos livros e nas aulas de cinema que a "câmera lenta" deve ser usada com parcimônia? Ela já se tornou óbvia e saturada. Mas no filme ela ganha vida, instante que permanece. E mais: música e câmera lenta em filmes de estrutura clássica são sinônimos de sentimentalismo ou de exaltação de cenas de ação. Em "Anticristo" é o contrário: música e câmera ensejam beleza e modos de sofrer. E nos ensinam a compartilhar tanto sofrimento sem apiedarmos de nós mesmos. Mas isso só é possível porque não há carga nos sentimentos, e tudo passa longe do melodrama.



RC: Se "autoria" é a extrapolação dos limites do cinema industrial, temos um "autor", sem dúvida. E isso do interior deste mesmo cinema, de algumas das suas características mais gerais. Você menciona o melodrama, que está ausente em "Anticristo". Podemos partir desse dado para analisar não somente o lugar do filme no cenário atual, como do Dogma 95. Sabemos que o melodrama é um gênero profundamente ligado ao cristianismo. O Dogma 95 também, a seu modo: vide o manifesto "Voto de Castidade" e o forte caráter moral dos seus "dez mandamentos". Em "Anticristo", Von Trier opera com uma simbologia cristã que, por um lado, dispensa as facilitações do melodrama, mas, por outro, não se define incisivamente como um cinema de ruptura, aproveitando a estrutura do suspense e do horror como um "manancial" para a expressão do estilo. Há uma ambiguidade latente: estamos diante de uma narrativa mitológica que discursa sobre a natureza humana, admitindo a metafísica cristã como a sua raiz, mas rejeitando certos vícios formais pelos quais essa metafísica tenta se sustentar ainda agora (o mercado é um fator de corrupção do discurso, e é abandonado - o melodrama tem que ceder). "Anticristo" é uma espécie de "Adão e Eva" moderno, no qual a mulher que deflagrou o bem e o mal, a partir do seu gesto pecaminoso, deve ser "curada"; não mais pela religião, mas pela terapia, valendo inclusive a piada com o prematuro "envelhecimento" da psicanálise como uma prática de constituição dos sujeitos. Não é de estranhar que o tratamento da mulher em "Anticristo" tenha provocado reações contrárias desde Cannes.



LN: Eu aprecio o cineasta não utilizar as ferramentas de um "cinema de ruptura" (cinema de arte), como no caso de "Anticristo". Penso que cineastas que se utilizam da estrutura clássica de narrar, sem se fixar no melodrama, conseguem ao mesmo tempo a comunicação com o público, tão importante, e trabalhar as imagens de forma não convencional. Sobre o feminino, a principal teórica do feminismo no cinema, Laura Mulvey, escreveu dois textos fundamentais* nos quais aponta a importância da psicanálise para entender o "olhar masculino" do cinema hollywoodiano, assim como o sentido de libertação para a mulher nos filmes de arte. Mulvey rejeitaria completamente esse filme. Ele, o filme, questiona os limites da psicanálise, mostra a importância do homem nas relações com a mulher (há uma queda da função paterna no mundo moderno) e para o equilibrio das relações sociais e familiares. Certamente é um filme que pode nos aprisionar no extra-filme [o filme é utilizado somente como ilustração para debater e discutir teorias de várias áreas do conhecimento; evita-se "entrar no filme", ou seja, interpretar e descrever e analisar a imagem, a narrativa e os componentes cinematográficos]. Ou seja, ficaríamos discutindo teorias (inclusive cinematográficas) sem "entrar" propriamente no filme. Comentamos que os psicanalistas vão nadar de braçada e realizarão aquelas explanações, sempre interessantes, mas quase sempre distantes do filme em si.


RC: Seria pouco frutífero se o debate sobre “Anticristo” se realizasse unicamente com o foco no extra-fílmico. Concordo que há esse risco, pois o filme toca em temas duros e potencialmente polêmicos: a culpa, o sexo, a violência. Pulsão de vida e pulsão de morte conduzem a narrativa. No entanto, não vejo o filme, em si mesmo, como polêmico. Von Trier é sincero, e busca as imagens capazes de produzir sensações e ideias que o espectador é levado a esconder de si mesmo, quando absorto pela felicidade impassível do cinema industrial. Somente um cinema mais ousado poderia deferir esse conteúdo à consciência, trabalhando diretamente com um imaginário oriundo dos próprios gêneros industriais (as cenas de tortura do cinema de horror, por exemplo). Nesse sentido, “Anticristo” é um filme muito realista: ele quer levar o homem ao reencontro com uma possível natureza. Nele, as imagens existem para isso.


• Lisandro Nogueira é prof. de cinema na Facomb-UFG e Rodrigo Cássio é formado em jornalismo e filosofia e mestrando em cinema na FAcomb-UFG.

* Os dois textos de Laura Mulvey são: Prazer Visual e Cinema Narrativo (In: XAVIER, Ismail. A Experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983) e Reflexões sobre “Prazer Visual e Cinema Narrativo” (In: RAMOS, Fernão. Teoria Contemporânea do Cinema. São Paulo: Senac, 2005, volume 1).

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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Che, o argentino - um filme chato!! (em cartaz)

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CHE, um filme chato


Fabricio Santos*


Martin Scorsese costumava definir como “contrabandistas” aqueles cineastas que, mesmo sob o contrato e a pressão de um estúdio, conseguiam imprimir uma assinatura autoral aos seus filmes. Ou, um pouco além, mantinha interessante ritmo pendular, capazes de realizarem produtos capazes de atrair público e, em troca, ter algum poder para filmar o que realmente queriam. Scorsese foi (e ainda é) um pouco assim, mas talvez Steven Soderbergh seja o exemplo mais claro de contrabando cinematográfico.

Até o presente momento, Soderbergh realizou três Homens e Um Segredo: Onze, Doze e Treze. Franquia de elenco poderoso, afiado e certeiro (George Clooney, Brad Pitt, Julia Roberts, Andy Garcia, Matt Damon e segue lista), levado por tom de carisma geralmente bem aplicado, é o carro chefe dos lucros do cineasta com a Warner Bros. Entre um e outros, Soderbergh se dedica a filmes mais pessoais e experimentais, como Full Frontal, Bubble e, mais recentemente, Confissões de uma Garota de Programa. Já Che, para o melhor e para o pior, parece caminhar entre os dois lados.

Dividido em duas partes, temos em Che algo ambicioso. É um pedaço de história (e História) jogado em mais de quatro horas de metragem, se somados os dois filmes. Embora não seja um blockbuster, há técnica e produção de custos notáveis a serviço de uma cinebiografia que, de acordo com o próprio cineasta, não pretende ser vista como tal. “Para mim, Che é só um personagem”, disse Soderbergh em uma entrevista, o que de fato traduz essa primeira parte, intitulada “O Argentino”, como um filme de perspectiva. Perspectiva de um personagem: Che, não por acaso.

Soderbergh parece procurar por um sujeito, esse alguém que, antes de se tornar lenda revolucionária, era parte de um grupo. Até chegar a esse ponto, Che terá em Guevara apenas mais um homem, uma pessoa que se dispõe a entrar numa guerra que nem é sua, sem a liderança. A não ser quando intercala com o discurso na ONU, anos depois, Soderbergh se mantém distante, com uma câmera distante, observando táticas e acompanhando Che mesmo que ele não esteja envolvido em eventos que poderiam ser vistos como mais cruciais. Essa noção de múltiplas coisas acontecendo aparece bem presente no filme, e a sensação de documento toma um lugar agradável.

As cenas em preto e branco na ONU são, por sinal, aquelas em que Benicio del Toro tem chance de ser o mais explosivo. Nas outras, segue quase que brilhantemente o passo de Soderbergh em ter uma cinebiografia que não exatamente destaque seu protagonista: ele está ali compondo um grupo maior, de pessoas determinadas à luta, uma motivação que chega a ser comparada a amor (o filme é baseado nas memórias escritas por Che, “Reminiscences of the Cuban Revolutionary War”). Tem-se aqui, então, o que talvez seja um filme sobre esse tipo raro de motivação, de como homens (e mulheres) se apegam a tais idéias, e cena de ataque em que a trilha some e Che faz referência ao "Guerra e Paz" de Tolstói resume isso com uma beleza próxima ao que Terrence Malick fez em Além da Linha Vermelha, aquele filme de guerra versificado.

Sensação, entretanto, é a de um filme que quer chegar a tanto (e às vezes chega, em pequenos momentos) sem realmente se preocupar com isso, pelo menos no que se refere ao isolamento da primeira parte. Falar que é chato é uma crítica fácil, mas Che: Parte 1 – O Argentino é um filme chato, como se estivesse fadado a ser exibido em alguma aula de História das mais enfadonhas, por mais que seu realizador o defenda como um personagem. E é do personagem a sua força, mas é do recorte histórico quase didático a sua fraqueza.

* Fabricio Santos é critico de cinema e membro do projeto "Cine-UFG, debates".

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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Anticristo e Lars Von Trier: "eu sou o melhor do mundo".

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 Von Trier declara: 'sou o melhor diretor do mundo'

Paulo Biagio*



A entrevista coletiva com o diretor dinamarquês Lars Von Trier, na manhã desta segunda-feira (18), em Cannes foi marcada por provocações entre alguns jornalistas e o cineasta. Na noite anterior, o diretor de "Dogville" causou polêmica ao exibir pela primeira vez seu novo filme, o terror "Antichrist". Aplaudido por uns e vaiado por outros, o longa traz cenas de sexo explícito e mutilação genital.


O senhor faça o favor de explicar por que fez esse filme?, disparou um jornalista logo na primeira pergunta. "Não tenho de me justificar. Não preciso me desculpar por nada. Vocês são os meus convidados, não o contrário. Eu trabalho para mim mesmo, não fiz esse filme para você ou para o público", rebateu, visivelmente nervoso, o dinamarquês.


Von Trier já havia afirmado anteriormente que 'Antichrist' foi realizado como uma espécie de terapia para se livrar de um processo depressivo recente - ainda que a atmosfera perturbadora do longa, estrelado por Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe esteja longe de ser algo "tranquilizante". "É mais a rotina de fazer um filme que funciona como terapia. Acordar todo dia e ir trabalhar. Isso me ajudou com a depressão", explicou.


Ainda insatisfeitos com as respostas de Von Trier, os jornalistas insistiram em saber o porquê de "Antichrist" ter sido realizado. "Nunca tive escolha, é a mão de Deus", ironizou o diretor, que é ateu, mas revelou sua devoção pelo cineasta russo Andrei Tarkovsky, em uma dedicatória ao final do filme. "Tarkovsky é o verdadeiro Deus. Quando vi seu filme pela primeira vez em um pequeno televisor, fiquei em êxtase. Para mim, se formos falar de religiao, essa é uma relacão religiosa", defendeu.
 

Como se não bastasse, Von Trier deixou a falsa modéstia do lado e, enfim, deu a sua resposta para o por que de ter filmado "Antichrist". "Fiz porque eu sou o melhor diretor de filmes do mundo", cravou. "Tenho certeza de que outros diretores também pensam assim. Nao estou certo de que sou, eu apenas sinto que sou, oK?"


Alguns jornalistas aplaudiram, outros continuaram irriquietos em suas cadeiras e o diretor, conhecido pelas polêmicas, concluiu satisfeito. "Não me preocupo com as críticas ou como o filme vai se sair ao redor do mundo. Já recebi críticas negativas antes, e gosto. É um bom começo de discussão."


* Fonte: G1 - maio de 2009- (não cita o jornalista q. escreveu a matéria).

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domingo, 18 de outubro de 2009

Debate: a tirania ou a democracia na vida digital?

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A tirania da vida digital, das massas e as suspeitas sobre a Internet


"Aristóteles falava de Oclocracia, a tirania das massas, um tipo de regime em que a plebe governa, mas que acaba sempre em tirania. A verdade é que, no fundo, por trás dessa Oclocracia digital dos dias de hoje, existem novos oligarcas, indivíduos com imenso poder e que muitas vezes escapam do nosso julgamento, porque não sabemos ao certo quem são. Não acredito na era das massas. Se ela existe de algum modo, o que mais temo são esses oligarcas que se escondem por trás delas e são capazes de mobilizá-las" (Adrew Keen, crítico do poder da internet e de uma suposta nova ordem libertária a partir da vida digital)

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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

De saudades, amigos, amores e formação

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De saudades, amigos, amores e formação


 A Marizete, Divina e Cristina




Lisandro Nogueira*


Quando eu fico gripado ou resfriado, costumo ficar seminostálgico: saudade dos amigos, das namoradas meigas e salientes, das situações de festas e de tristezas, dos jogos de futebol (vendo e jogando), das leituras e dos filmes. Em 1983, estava apaixonado e ouvia Caetano Veloso o dia inteiro. Não só ouvia, também cuidava de ler tudo o que ele escrevia.

Outra persona que me encantava era o jornalista Paulo Francis (dizem que a Petrobrás é culpada pela morte dele: por causa de críticas que ele fez, foi processado, com milhões para pagar e, coração de idoso, não suportou, morreu em 1997). Francis foi de esquerda e depois tornou-se conservador. Era um crítico mordaz da esquerda brasileira (“inculta” e “aguerrida”) e não pensava duas vezes ao bater em todos aqueles que considerava “incultos” e “bajuladores” do Estado brasileiro. Às vezes tinha razão. Todavia, para além de sua verve demoníaca, Francis exalava inteligência, sagacidade, autonomia e realizava o que muitos jornalistas brasileiros não conseguem: ter o próprio pensamento.

A situação ficou mais desconfortável de lá para cá: boa parte do jornalismo tornou-se pragmático e previsível. Francis faz muita falta e Caetano Veloso é imprescindível. Nos anos 70/80, era comum a comparação Chico Buarque X Caetano. Sempre me postei ao lado de Veloso, apesar de gostar demais do Buarque. O baiano é mais livre, menos “atrelado às ideologias rígidas e não tem a ginga aristocrático-conservadora do carioca. Ambos são fundamentais e o amor incomensurável da nossa geração (ou de boa parte do Brasil) para com eles é uma constelação de afetos e carinhos sem ter fim.

Francis não gostava nem de um nem do outro. Eu sempre gostei dos três, assim como jamais vou negar que Moraes Moreira é uma das memórias mais vivas dos “quintais do interior do Brasil”. No Cineclube Antônio das Mortes (eixo principal da nossa formação, fundado em 1977), o pensamento sempre foi livre, sem patrulhas ideológicas e sem militância partidária, apesar de admirar e compartilhar bons “momentos estudantis” com gente boa  da esquerda universitária. Mas nossa conversa tinha outros destinos e interesses. Sem preconceitos (os anos 80 foram, em parte, terríveis e chatos para quem se recusava a ser sectário), aliamos uma formação nas artes e nas humanidades com o melhor do pensamento da esquerda.

São recordações vibrantes: os melhores passes de Pelé estavam ali, na nossa frente; os frevinhos de Moraes Moreira exalavam alegria plena e ninguém falava em depressão e síndrome do pânico. Saíamos do Colégio Carlos Chagas e corríamos para ver os melhores gols do Vila Nova (95% dos meus amigos são torcedores do time vermelho); noites e noites nas festas dos setores Universitário, Sul, Vila Nova e Centro. A noite, literalmente, era nossa! . Meire me obrigava a ler José de Alencar e Machado de Assis (só gostava de "Memórias póstumas" e o conto "O homem célebre" - O Pestana).  Os estudos do Cineclube eram memoráveis: Lourival Belém guiava a leitura do "Discurso cinematográfico", do Ismail Xavier.

Penso que éramos tão saudáveis: porque trabalhávamos, jogavámos futebol, víamos futebol, íamos ao cinema, fumavámos (pouco e com estilo) e eu me apaixonava de vez em quando, ouvindo Toquinho e Vinícius de Moraes. Era muita energia para viver tanta vida.

Nem tudo era belo, obviamente. Meu amigo Benedito morreu de câncer em 1976 e eu vi, pela primeira vez, alguém morrer na minha frente, numa tarde triste de domingo. Os conflitos familiares também pesavam e não havia esse enoooooooooooorme espaço de compreensão e “tolerância” dos pais com os filhos, como nos dias de hoje (quase não havia psicólogos).

Em certos aspectos, hoje, essas relações tendem a ser melhores. Porém, havia um belíssimo desejo de autonomia. Aos 25 anos, saí de casa e fui morar com meu amigo recém-separado, Rondon de Castro. Nós éramos tão diferentes um do outro, que nos dávamos bem e ainda havia a Mazinha para cuidar da gente, na enorme casa do Jardim América.

Tudo que sei de música comecei a aprender com Rondon. Em nossa casa, tocava o dia inteiro o jazz de Ben Webster, o canto de Ella Fitzgerald, o trombone de J.J. Johnson, a gaita de Toots Thielemans e o sax eterno de Paul Desmod. Ufa! Foi uma escola e tanto. Quando morrer, quero ser enterrado ao som de Desmond, tocando “Autum leaves”.

Foi em nossa casa, em 1987, que choramos quase a noite inteira vendo Lolita, com James Manson, e direção de Stanley Kubrik. Talvez antecipássemos a velhice: a tristeza e o pavor do personagem de Manson nos deixou intranquilos e comecei a amar o cinema americano dos anos 50 e 60 (sublimação freudiana?).

Daniel Cristino e Eduardo Horácio, quando me incentivaram a abrir um blog, me disseram que, de vez em quando, era bom abrir um pouco a alma, num texto de memórias. Que bom!!
 

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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Twitter e o blog

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Caros amigos, o blog agora também no Twitter. Endereço: BLOGDOLISANDRO

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"É um careta (Woody Allen), um cineasta pequeno, mas é um cara legal"

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Eis a íntegra do que Caetano Veloso diz sobre Woody Allen no depoimento a Sílvio Osias :


“Fizeram uma espécie de festival Woody Allen no Telecine Cult. Vi por acaso: passavam os filmes nas horas em que vou me deitar. Gostei de todos: dos que revi e dos que nunca tinha visto. Mas sei que ter saído de casa para ir ao cinema era um pouco demais para filmes tão estreitos. A TV é o perfeito veículo para Allen.O primeiro filme dele que vi foi Boris Gruschenko e achei que parecia um programa de TV meio malfeito”.


“Depois, ele melhorou a estrutura dos roteiros e o uso da câmera. Passou a fazer filmes melhores. Mas sempre muito anti-sixties,um tanto reacionário. Muito hétero, muito reverente com os amantes de ópera que vivem no Upper East Side, muito chegado a uma decoração creme por trás de roupa beje. Careta até não poder”


“Gay, maconha, rock, Bob Dylan, tudo isso é desprezado por ele. Eu entendo: vemos peças da Broadway pós-rock (o pós-rock que se usa na Broadway) e pensamos em quão genial eram Porter, Gershwin e Rogers: essas baladas que se ouvem nos espetáculos novos ( dos 70 para cá) são chatérrimas- o mesmo se dando com os desenhos animados em longa metragem: em Branca de Neve, quando os personagens param para cantar é um alumbramento; em Aladim ou Moisés, Príncipe do Egito, é um bocejo: são uma mistura de campo com igreja, um negócio que sempre parece que a Mariah Carey vai cantar, com dramaticidade negra de igreja mas abastardada, sem a malícia e a urbanidade, a inteligência de uma canção de Berlin ou de Kern. Então, é gostoso que um cara velho seja sincero a esse respeito. E muitas das piadas ( “one liners”) são excelentes. Mas sempre se revela uma visão estreita”.


“O público que o adorava quando ele era uma novidade com filmes ruins não gosta nem dos bons que às vezes ele faz. Meu filme favorito dele é Bullets Over Broadway: é uma comédia de verdade. Diane Wiest está genial (nada da chatice que ela apresenta quando faz personagens “sensatos” em filmes de outros diretores: ela é falsa, parece uma maluca fingindo que é sã),tem situações ótimas. E Allen tem a grande elegância de dar a seus filmes a duração que os filmes tinham quando ele era menino. Talvez isso contribua para para o seu relativo frascasso comercial nos EUA: o público exige supersized movies”.


“Os produtores descobriram que o povo pensa que se um filme não dura mais de duas horas e quinze ele não está sendo “bem servido”. É como um restaurante vulgar - e como o ar-condicionado dos cinemas: os idiotas pensam que, quanto mais frio, melhor”.


“Allen faz filmes do tamanho de filmes. Adoro Nova Iorque - e ele a conhece e sabe filmar a arquitetura da cidade. Além disso, ele é o grande herdeiro do cinema novaiorquino, independente de Los Angeles. Ele não é nenhum Cassavetes, mas merece estar ligado à tradição que este iniciou. É um careta, um cineasta pequeno, mas é um cara legal, com frases brilhantes, com algunas cenas espetaculares como ator- e canta muito, muito bem na cena curta em que o faz, em Everybody Says I Love You. Considero uma conquista imensa ele ter o “final cut” dos seus filmes”

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sábado, 10 de outubro de 2009

Bastardos inglórios (em cartaz)

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Lisandro Nogueira

Estou em São Paulo para o encontro da Socine e encontrei com Inácio Araújo. Imediatamente perguntei sua opinião sobre o novo filme de Tarantino. Ele respondeu: "Já publiquei um texto". Araújo é meu crítico de jornal predileto. Segue o texto dele:




Longa diverte e inscreve diretor entre os grandes

Inácio Araújo*


Toda vez que Quentin Tarantino toma da câmera, o cinema se lembra de que é, também, uma festa. O espectador se dá conta disso antes de se completar o primeiro minuto de projeção de "Bastardos Inglórios". Sabemos que o filme vai nos falar de coisas da Segunda Guerra, mas que não terá muito a ver com a história dela.


Estamos na França ocupada pelos nazistas. Após uma brilhante introdução (um coronel busca uma família judia numa propriedade rural), nos vemos diante do grupo de soldados (todos judeus), que, tendo à frente um tenente da América profunda, tal como celebrizado pelo cinema de guerra, dispõe-se a exterminar o maior número possível de nazistas e aterrorizar o próprio Hitler.


"Bastardos..." não se impõe pela história que narra -sua "falsidade" salta aos olhos- mas pela capacidade de criar, a cada sequência, um cinema de segundo nível, sem permitir (pelo contrário) que o espectador perca, nem por um instante, o prazer de estar no cinema.

O que significa, no caso, a expressão "segundo nível"? É, antes de tudo, que o cineasta, ao contar sua história, não procura criar nem nos coloca diante de nenhum tipo de "ilusão". O fantástico tenente que Brad Pitt cria, por exemplo, não é um oficial saído do exército, mas de 1.001 filmes em que americanos intrépidos, puros, um tanto inocentes e grosseiros se lançam a suas missões.


Porque, se não presta nenhuma reverência à "verdade histórica", Tarantino mergulha com paixão na história do cinema, para nos lembrar que estamos diante de uma apaixonante fantasia, tão real quanto, digamos, os "faroestes spaghetti" que os italianos produziam algumas décadas atrás, em que não eram mais inspirados pela saga da conquista do Oeste mas pela própria saga do faroeste, pelos sonhos e mitos que o cinema soube criar.


Assim, em vez de tentar compor um Hitler "verossímil", "Bastardos..." busca, simplesmente, criar um Hitler cômico. Um atentado à história? Não, apenas a lembrança daquilo que Chaplin um dia descobriu e Ernst Lubitsch desenvolveu.


O diretor faz um cinema irrepreensivelmente moderno, que a cada sequência parece reavivar todas as reflexões que Godard ousou um dia fazer. Com "Bastardos...", Tarantino inscreve-se de vez entre os grandes cineastas da história.

* Inácio Araújo é critico de cinema da FolhaSP - publicado em 8 de outubro.


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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

"O roteiro é o rei", entrevista com Fernando Meirelles.

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O CINEASTA DE "CIDADE DE DEUS" E "ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA"
 


A adaptação da literatura para o cinema é sempre uma questão delicada. O que mais te preocupa neste processo?
Livro é livro, e filme é filme. A primeira coisa que me preocupa é que o roteiro seja interessante. Se der para ser fiel, ótimo. Se não der, o roteiro deve ser o rei; se tiver que alterar a obra, altere, porque você tem que ter um bom roteiro. Mas, às vezes, há livros aos quais você pode ficar muito preso e, mesmo assim, produzir uma boa adaptação.

Seria o caso de Ensaio sobre a cegueira?
É, neste caso, a trama do filme é muito próxima, muito parecida com a trama do livro. Mas acho que é bem diferente, porque no Ensaio os personagens não têm muita cara, não tem nome; no filme, embora também não tenham nome e nem passado, você coloca o Gael, fazendo o papel do Rei da Camarata 3 e, imediatamente, traz a personalidade do ator. A mesma coisa acontece com a Juliane Moore, você não olha mais a mulher do médico, mas a Juliane Moore. Mesmo sem querer, você dá cara, dá personalidade para os personagens, o que Saramago não quis fazer. Mas não há como, porque o cinema é visual. E tem outra coisa: no livro, quem narra, quem conta a história é o escritor – é como ele vê as coisas, coloca pensamentos na cabeça dos personagens. No cinema, nada disso é possível. Toda a história tem que ser contada pelas ações dos personagens. Ensaio sobre a cegueira foi extremamente difícil de adaptar, porque é muito pessoal, muito subjetivo, opinativo, tem as ironias do autor, e isso não cabe na ação do ator. Acho que foi uma ousadia do Don McKellar – canadense responsável pela adaptação –, mas acho que acabou saindo bem.

É isto que você coloca como o maior desafio da adaptação?
É isto sim. Para mim, o maior desafio para fazer um filme sempre é chegar ao roteiro, é escrevê-lo. Quando você tem um bom roteiro, 90% está feito; aí, é só ir lá, arrumar um ator e filmar.

E por que resolveu mudar o filme depois da apresentação no Festival de Cannes este ano, antes da estréia no Brasil?
Primeiro, esse negócio de ficar alterando o filme é um processo de todo filme. Todos os cineastas demoram oito, nove meses – o Walter [Salles] demorou quase um ano montando o Linha de passe. Não é que você demore colocando as partes juntas, é o tempo em que você fica mudando para chegar ao melhor resultado. E eu fiquei nesse processo. Aconteceu que, como fomos convidados para abrir o Festival, fechamos e mixamos o filme muito rápido e mandamos. Mas ainda não estava acabado. O ideal é acabar o filme, que na hora está bom, dar uma semaninha e voltar a ele, mas eu não tive essa semaninha.

O interessante é que Saramago gostou do filme. Diferentemente de outros autores que acabam não gostando das adaptações. Quando há essa desavença, como o diretor deve se posicionar?
É, eu tive a sorte de os três autores que peguei – o Paulo Lins, John Le Carré e José Saramago – terem gostado das adaptações. Mas acho que, realmente, é sorte ter pego escritores generosos, tolerantes, que deixaram eu meter a mão no filme, dar uma outra versão, mesmo que não tivesse sido da forma que estavam imaginando. Na verdade, fiquei muito ansioso para saber o que ele ia achar, se seria a história dele ou não. Fiquei feliz que gostou.

Esta é a sua terceira adaptação. Você prefere esse tipo de trabalho a roteiros originais?
Não. Acho que foi coincidência, porque leio bastante. Leio, me entusiasmo com a história e me envolvo. Foi assim com essas obras. Mas tenho dois roteiros começados que são originais. Mas demoram um tempo e, por causa disso, acabo lendo outra coisa e coloco um filme no meio. Mas devo fazer um roteiro original em algum momento da minha vida.

Mas o seu próximo trabalho seria uma adaptação, desta vez de um livro do Jorge Furtado, não é?
É. Na verdade, não é bem uma adaptação. Não vou nem utilizar o mesmo nome. O Jorge escreveu um livro um pouco baseado em Trabalhos de amor perdidos, de Shakespeare. Agora, está escrevendo um roteiro para mim que é levemente baseado no livro dele. Não sei quando vou fazer. É uma comédia de estudantes estrangeiros, em Nova York, que estão fazendo projetos sobre Shakespeare.

Quando você fala “levemente”, acha que as outras adaptações também podem ter esse advérbio?
O Cidade, acho que foi uma adaptação bem livre, porque a estrutura do filme é diferente da apresentada no livro do Paulo, que é muito episódico. Já o roteiro do Bráulio Mantovani é bem-estruturado, tem alguns personagens centrais, coisas que não existem no livro. O do John Le Carré, acho que foi uma adaptação fiel, mas a gente tirou muita coisa, porque é um livro muito grande, de 600 páginas, então, na verdade, demos uma filtrada na obra. E esta do Ensaio, por ser uma obra mais curta, acho que tem a trama mais fiel ao original. ©

* entrevista para revista da livraria cultura - out. 2008

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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Eric Rhomer: um cineasta fundamental, 87 anos.

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Filosofia do cinema


"No decurso da minha carreira, penso que nunca parei de correr riscos. Mas
riscos bem medidos, bem pensados.
Em todo o caso, a minha filosofia é a seguinte: para realmente ter sucesso, um
filme tem de descobrir uma coisa que lhe seja vital ao longo do caminho.
Temos sempre de deixar espaço para a sorte e para o que é acidental, e para
acreditar que o caminho será composto de nada mais que acidentes felizes.
Costumo dizer muitas vezes que “nos meus filmes tudo é fortuito, à excepção
da sorte.”. A partir deste ponto de vista, eu gosto de actores que são capazes
de utilizar a sorte. Do que eu não gosto é o que chamo de “falso-natural” – os
actores que vocalizam o diálogo literário à velocidade da luz para que pareça
“natural”. Nada é mais artificial que isso. Peço-lhes para fazerem o contrário,
para articularem e para abrandarem. Uma vez tendo percebido isto, podem
passar muito bem sem a minha direcção de actores. O mais importante para
mim é tornar o texto compreensível. Quanto aos riscos que corro, sei bem
demais que alguns espectadores podem rir-se a certa altura do filme. Isso não
me incomoda nada. Até estou do lado deles, contra as pessoas que os
mandam calar. Isso aconteceu em Die Marquise von O. Os espectadores que
se riram tinham o direito de o fazer. Kleist é um escritor bastante divertido. Se
as pessoas se rirem aqui, ainda melhor! Porque também há muito humor em
L’Astrée". (Eric Rhomer, 2008- depoimento Positife)

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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Cinema documentário: real ou real construído?

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Documentário – A representação do real ou o novo real construído?


Simone Tuzzo*

Não é exagero dizer que a comunicação constrói a realidade. Num mundo todo permeado de comunicação, num mundo de sinais, num mundo todo teleinformatizado, a única realidade passa a ser a representação da realidade, um mundo simbólico, imaterial. Uma situação existe ou deixa de existir, à medida que é comunicada, veiculada. É por isso que a comunicação é duplamente poderosa: tanto porque pode criar realidades, quanto porque pode fazer com que elas deixem de existir pelo fato de serem silenciadas.


Nenhuma imagem é inocente. Mas nenhuma imagem, é claro, é culpada já que somos nós que, a partir dela, criamos nossos próprios constrangimentos. Além disso, como nenhuma representação visual é eficaz nela e por si mesma, o princípio de eficácia não deve ser procurado no olho humano, simples captador de raios luminosos, mas no cérebro que está por detrás. O olhar não é a retina. 


A imagem não é o olhar sob pontos de luz, sob a tinta no papel, a imagem é algo que se completa na mente humana, e todo indivíduo é carregado de valores, crenças, preconceitos e idéias. Há informações que  formam e outras que não formam um significado, não porque são problemáticas em si mesmas, mas porque, para além do criador de uma imagem há um receptor que deverá compreendê-la a partir dos valores que já possui no seu universo de interpretação. 


Vivemos em um mundo composto por 3 partes: O mundo real, que vivemos por meio do corpo; um mundo simbólico, que vivemos por meio da linguagem; e um mundo imaginário, que vivemos por meio de nossa fantasia. 


O mundo das imagens se define em dois domínios: O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais, ou seja, a fotografia, o cinema, a TV, pinturas, gravuras etc. O segundo é o domínio imaterial das imagens em nossa mente. 


Entre quem produz uma imagem e o veículo utilizado pela sua propagação / difusão, há um ser humano, e é por isso que a lógica de recepção não é uma ciência exata. 


Autores como Baudrillard e Muniz Sodré sugerem que o mundo em que vivemos foi substituído por um mundo-cópia, no qual vivemos cercados por um simulacro. A cópia é uma imagem dotada de semelhança, o simulacro uma imagem sem semelhança. O simulacro nega tanto o original como a cópia, tanto o modelo como a reprodução. 


O que existe no filme documentário é uma representação do real. Mesmo com a intenção de se produzir uma imagem real e apresentá-la a partir da estética cinematográfica, causa nos personagens reais uma apropriação do modelo de ator e mesmo sendo ele mesmo, ele sempre apresentará aquilo que ele quer que seja passado, ou seja, sempre será um real com recorte e criação do próprio ator/real, muito mais do que o diretor do filme possa imaginar.
O documentário não fornece uma reprodução fiel da realidade, apesar de trazer imagens concretas. Ele é o resultado de pontos de vista de câmera, produtor, editor, efeitos, dramatização, sonoplastia, ingredientes que podem transformar uma realidade. A montagem é um elemento de extrema importância. Através dela é possível trocar, retirar, deslocar, redimensionar o tempo e o espaço, favorecendo uma possibilidade da verdade ser transformada em inverdade.


Diante disso, o cinema documentário pode ser considerado como uma fonte de pesquisa, como fonte de ensino de História? É comum pensarmos no filme documentário como uma expressão legítima do real. Isso é verdade, ou será que, neste caso, a verdade é somente uma das versões dos fatos?

* Simone Tuzzo é Relações Públicas, Doutora em Comunicação, professora do Curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Goiás – UFG. simonetuzzo@hotmail.com

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terça-feira, 6 de outubro de 2009

Tecnologia e arte, entrevista com Carlos Saldanha (Era do gelo 3)

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‘Tecnologia sem criatividade não adianta nada’,


Carla Meneghini*

Diretor do recordista de bilheteria “A era do gelo 3”, o brasileiro Carlos Saldanha mora nos EUA há 18 anos, mas tenta visitar o Brasil sempre que pode. “Vir ao meu país é sempre inspirador, é como recarregar as baterias”, disse o animador.

Durante os workshops, um dos temas mais discutidos foi o uso da tecnologia 3D, que vem ganhando cada vez mais força dentro dos estúdios e nas bilheterias, e “A era do gelo 3” é certamente um exemplo disso. “O 3D só ajuda, porque apresenta mais uma maneira de vivenciar o cinema, renova a experiência do público”, explica o animador, que daqui para frente pretende apostar no novo formato em todos seus projetos.
Entretanto, Carlos Saldanha adverte que o uso de técnicas de animação cada vez mais modernas não garante a qualidade nem o sucesso de um filme. “Tecnologia sem criatividade não adianta nada; a parte técnica é apenas uma ferramenta para melhorar o resultado, mas o desafio de verdade está no roteiro”, afirma o diretor.

Confira abaixo trechos da entrevista com o criador de “A era do gelo 3”.

G1 – Como é estar de volta ao Brasil depois de uma recepção tão positiva de “A era do gelo 3”?
Carlos Saldanha -
Vir ao meu país é sempre inspirador, é como recarregar as baterias. Sou muito conectado com o Brasil, minha família e minhas referências estão todas aqui. Fico muito feliz com os resultados incríveis que o filme teve aqui. Isso para mim é especial.

G1 – A que você atribui o sucesso de “A era do gelo”?
Saldanha –
A alma do projeto são os personagens, sem dúvida. O público se identifica tanto com eles que é como se tivessem virado amigos. As pessoas querem saber como eles estão, o que vai acontecer com eles, é uma expectativa muito positiva.

G1 – Na sua opinião, o formato 3D ajudou na performance do filme nas bilheterias?
Saldanha –
O 3D só ajuda, porque apresenta mais uma maneira de vivenciar o cinema, renova a experiência do público. Mas é importante ver que tecnologia sem criatividade não adianta nada; a parte técnica é apenas uma ferramenta para melhorar o resultado, o desafio de verdade está no roteiro.

G1 – Quais são os planos para “Era do gelo 4”?
Saldanha –
Eu não vou estar mais na direção, mas com certeza estarei envolvido no projeto. Acho que vai ser muito bom para a série ter sague novo na direção, mas quero participar de alguma forma, porque não posso abandonar os personagens assim.


G1 – Que conselho você daria às pessoas que sonham fazer animação no Brasil?
Saldanha –
Não espere que as coisas caiam do céu. Estude, treine, faça. No Brasil ou fora, não importa. Tente usar seu tempo ao máximo para realizar seu sonho e mantenha o foco sempre.

* Entrevista para o portal G1.

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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Os amantes (em cartaz)

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Amantes e a falência das convenções 


Rodrigo Cássio*


Ao espectador mais exigente, um filme como Amantes, de James Gray, tende a provocar uma reciclagem da experiência com as narrativas dramáticas que nada acrescenta ao escopo do gênero. Antes disso, o que o filme sinaliza é a falência dos seus próprios meios de afetar o espectador – sem, com isso, deixar de insistir neles, muitas vezes conciliando as piores ideias com um estilo que, de algum modo, atribui uma sobrevida estética ao seu conteúdo. Nesse sentido, James Gray se mostra empenhado em não perder de vista uma consciência sutil dos limites que cercam as suas personagens. E junto com as personagens estamos cercados, os espectadores, nos mesmos limites. Personagens que amam – como o nome do filme já indica – e, amando, falam, agem, sofrem e desejam de maneira exacerbada. 


Estão em cena convenções já desgastadas de tal modo que, nas mãos de um cineasta atento a esse desgaste, elas não podem se firmar sem advertências que as contradizem e relativizam. A recepção razoavelmente entusiástica da crítica talvez levante mais questões sobre si mesma – sua coerência, seus valores, suas afirmações, seus cineastas favoritos – que sobre o filme propriamente dito. Até que ponto é recomendável chancelar um cinema como o de Gray? Talvez, até o ponto no qual um drama que exige do espectador apenas uma cumplicidade suspeita, e não uma cumplicidade absoluta, comece a cominar a sua própria superação, a sua denunciadora – e incômoda – falta de sentido. Não podemos ir muito longe, assim.



Por isso, é difícil defender Amantes. Pode ser o caso de uma indesejável conivência com aquilo que alguns espectadores desavisadamente esperam do cinema, de um certo cinema que, ao mesmo tempo em que reposiciona a mise-en-scène entre as principais realizações de um filme, abstém-se de uma crítica dos preceitos que erigiram a mesma mise-en-scène como expressão de uma cultura: se estamos cercados nos limites das personagens, é patente que nos interessamos por sentir da mesma maneira pela qual elas sentem, aderindo à arquitetura de carências e compensações que as direcionam pela trama. 


Em Amantes, o tripé se arma na relação entre a família, os negócios e o desejo amoroso-sexual. Leonard, o protagonista, é o jovem “de meia-idade”, bipolar, que mora com os pais. Desde que a noiva o deixara, pelo infortúnio de uma incompatibilidade genética que os impediriam de ter filhos, Leonard é assolado pela tentação do suicídio. Amantes é a narrativa que divide Leonard entre dois pólos (a sua bipolaridade projetada nas instituições sociais), personificados respectivamente em duas mulheres: de um lado, Sandra, filha do sócio de seu pai, com quem um namoro de tinturas tradicionais representa a conveniência de um ideário de prosperidade familiar e pujança financeira; de outro, Michelle, a vizinha instável e sem raízes, adepta das diversões inconsequentes e amante do seu patrão, um homem casado.



Sandra deseja Leonard, que deseja Michelle, que deseja o amante casado. No entanto, o amante não troca a sua família por Michelle, que não deseja Leonard, que não deseja Sandra. Em princípio, são dois movimentos: o primeiro, uma cadeia de relações conduzida pelo desejo; o segundo, um arremedo do desejo na dimensão da aparência, no qual as personagens agem de acordo com as convenções, mas sem que elas concretizem os verdadeiros interesses das personagens.


Nesse passo, recaímos no drama burguês, confiantes em seu poder de significar o real. No entanto, somos surpreendidos pelos obstáculos do processo, e chamados a reconhecer o seu insucesso – inclusive, isso se dá naquelas cenas que, pela força do estilo, deixam suas marcas. Duas delas dialogam sintetizando a moldura pré-sabotada de James Gray. Quando Leonard e Michelle finalmente têm uma relação sexual, a moça está de frente para a câmera, e lança seu olhar a ela repentinamente, buscando o espectador. É uma cena de intimidade e explosão sexual, e o olhar da personagem desmonta a imersão do público no texto. Em outro momento, quando Leonard oferece uma jóia a Sandra, e em seguida a abraça, é a vez de o protagonista fitar o espectador, buscando a câmera com o olhar. O gesto de Leonard, assim como o de Michelle na outra cena, denuncia a irreconciliável dimensão da aparência na qual se inscrevem todos os desejos. 


James Gray não acreditaria no que faz? É por isso que suas personagens se esquivam de afirmar os momentos-chaves da trama sem essas ressalvas que deslocam o lugar do espectador? Vale a nota de que abandonar um gênero poderia ser caminho melhor do que abraçá-lo com um punhal nas mãos. Em Amantes não deixa de prevalecer a parcela burguesa do drama, salvando a sua personagem mais melodramática – Leonard – a fim de que a estrutura sufocante das convenções se revele um arcabouço suficiente, preferível em relação ao descontrole dos sentimentos, mas tão falso que as próprias personagens “salvas” pelas compensações do filme se recusam a confiar nelas. 


Como exemplar de gênero, os diálogos fracos de Amantes chamam mais a atenção do que a celebrada encenação de uma ou outra passagem bem dirigida. Todavia, nem mesmo nesse quesito o filme é pleno. Se as cenas de Leonard e Michelle, como a do primeiro encontro no terraço do prédio – com a beleza dos atores que se movem no quadro, em conjunção com as paredes que recriam o enquadramento –, exploram o cenário de modo louvável (exceção da sequência da balada na boate), todas as cenas com Sandra, por sua vez, incorrem apenas em um reforço da caricatura que é esta personagem. 


Mesmo que o filme se assente, em boa parte, no drama familiar, o desmantelamento dessa instituição é resolvido sem que o tema venha à tona em sua máxima controvérsia. Filme de virtudes pontuais, Amantes só pode ser uma grande obra quando o que nos resta para exaltar é alguma coisa mais ou menos parecida com o que seria realmente grande. Talvez como na constrangedora felicidade de Sandra, ao receber aquela jóia: a felicidade dos que se entregam a um amor sem substância; pura aparência, e não as pulsões da vida, com toda a sua carga de revés e contradição.

* Rodrigo Cássio é jornalista e realiza mestrado em cinema na UFG.

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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Debate: Cinema: indústria ou arte?.

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"Se se ganha dinheiro, o Cinema é uma indústria. Se se perde, é uma Arte"
(Millôr Fernandes)

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Blog do Lisandro © Agosto - 2009 | Por Lorena Gonçalves
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